André Vitor Singer é cientista político, jornalista e professor do curso de sociologia da Universidade de São Paulo. Filho do economista Paul Singer, ele é autor do livro “Os Sentidos do Lulismo” (Companhia das Letras, 2012), obra que analisa a situação dos mais pobres na reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2006, ao mesmo tempo em que ocorria o afastamento de alguns eleitores com as denúncias do mensalão.
Singer é colunista da Folha e foi porta-voz e também secretário de imprensa do governo Lula entre 2003 e 2007. Conhecedor dos bastidores do PT, sua análise da atuação do partido busca equilibrar avanços e problemas de gestão.
Para o cientista político, a principal conquista do Brasil no século 20 foi sua democracia plena “aos trancos e barrancos”. André Singer também qualificou a aproximação entre Estados Unidos e os cubanos como um “presente de Natal” para esvaziar o discurso dos reacionários que mandaram eleitores de Dilma “irem para Cuba”.
Ao DCM, Singer fez uma análise sobre o clima após as eleições, associando a economia do Brasil da era Dilma aos escândalos de corrupção. Ele também criticou as primeiras medidas do novo governo no aumento de juros.
O que o senhor achou do clima pós-eleição acirrada entre Dilma Rousseff e Aécio Neves? Como ficou a imagem do PT para estes próximos quatro anos?
Acredito que foi uma eleição marcada pelo desgaste do governo comparado com o que aconteceu em 2010. Eu diria que este desgaste aconteceu mesmo com a piora da situação econômica. O crescimento há alguns anos girava em torno de 4,5% no segundo mandato do presidente Lula e hoje nós caímos para um patamar entre 1% ou 2%. Isso faz muita diferença num país como o Brasil, no qual você ainda tem uma parcela significativa de pessoas em condições muito precárias. Isso aumenta a necessidade de mais empregos, maior renda, assim como os investimentos sociais. Tudo isso fica abalado pelo crescimento baixo. A isto se acrescentou o julgamento do mensalão.
Como assim?
Quero dizer que ocorreram dias e dias de julgamento exibidos ao vivo que resultaram em prisões de personalidades do partido no poder. Isso acabou resultando num processo de aumento do desgaste do PT no governo. Eu acho que, tendo em vista tudo isso que citei, era esperado que fosse uma eleição difícil para a candidata Dilma, como de fato foi. O resultado foi apertado, uma vez que a oposição passou a ter uma chance efetiva de vencer. Isso não acontecia há muito tempo na presidência.
O senhor acredita que os efeitos do mensalão foram mais sentidos agora em 2014 do que na reeleição de Lula em 2006, há oito anos?
Sim, porque agora existiu uma conclusão do escândalo de corrupção, encerrando o processo todo. Ocorreram prisões e muitas das decisões foram tomadas até de maneira espetacular, de tal modo que tivemos realmente um acontecimento realmente novo na política brasileira que produziu um impacto maior do que existia anteriormente. Ao mesmo tempo, é sempre bom lembrar que denúncias de corrupção têm muito mais força quando a situação econômica do país está pior. Ou seja, existe neste contexto uma combinação de fatores.
Levando em conta os escândalos, podemos dizer que o caso do aeroporto em Cláudio e a apreensão de cocaína de aliados políticos prejudicaram Aécio Neves nestas eleições?
Qualquer denúncia que possua mais evidências fundamentadas acaba provocando impacto político. A experiência mostra que o eleitorado pode não dar apoio a determinado candidato por esses aspectos que são levados em consideração antes de decidir o voto. Por esse motivo, acredito que escândalos assim prejudicam e são colocados na balança, às vezes com mais ênfase e às vezes com menos por cada um dos cidadãos.
Considerando todo esse contexto, eram previsíveis as manifestações pedindo o impeachment da presidente ou isso foi uma construção baseado no resultado das eleições?
Não acho que esses protestos tenham autenticidade e eles parecem artificiais justamente agora. Essas mobilizações querem construir uma situação emergencial que não existe. Faz parte da luta política que existe hoje no Brasil lidar com isso, mas eu não vejo a menor consistência nestes pedidos mais específicos.
Essa artificialidade tem algum fundamento ou é fruto do tipo de mídia que consumimos?
Eu acho que existe o seguinte: há uma intensificação do sentimento de repúdio nos setores de direita e de classe média ao governo Dilma e ao PT. Essa rejeição é algo que já vem desde 2005, mas ela está aumentando e agora ela ganhou um novo empuxo. O que eu vejo nas manifestações pedindo impedimento ou volta dos militares ao poder não é uma onda mais perigosa do que esta que se apresenta. Existe uma radicalização de grupos minoritários, que estão inconformados com a experiência do lulismo, como eu tenho chamado, se prolongando.
Eles estão convencidos de que isso seria inaceitável, pedindo para que algo seja feito. Quando eles colocam os militares em pauta, devemos prestar atenção nesses pequenos grupos radicais e evitar que isso se torne maior do que realmente é. Importante mostrar para eles o que foi a experiência de uma ditadura militar no Brasil e que existe um consenso de que ela não pode se repetir.
Existe uma possibilidade de que este novo governo, com um novo ministro da Fazenda e novas medidas econômicas, reverta a reputação ruim de Dilma em 2018?
Eu sinceramente espero que sim, mas acho que as primeiras decisões que foram tomadas, como aumentar juros, vão produzir uma recessão que eu ainda não sei classificar se será maior ou menor do que o esperado. Torço para que seja pequena. De qualquer modo, ainda não é o caminho que eu acredito que seria coerente não só com o projeto do lulismo, mas com a própria campanha que a presidente Dilma fez. Embora eu queira a melhora do crescimento econômico que é fundamental para reduzir a pobreza e a desigualdade, as primeiras orientações que vemos não me parecem muito favoráveis.