Originalmente publicado em RFI
Por Márcio Resende
O Congresso do Chile começa a debater nesta quarta-feira (13) a legalização do aborto até a 14ª semana de gestação, apenas 15 dias depois da aprovação desse direito na Argentina que serve agora de inspiração para o movimento feminista chileno. Mas, ao contrário da Argentina, o projeto de lei no Chile não conta com o apoio do governo nem da maioria da população.
O debate pela legalização do aborto vai começar às 15 horas na Comissão de Mulheres e de Equidade de Gênero da Câmara de Deputados chilena com as intervenções das representantes de organizações feministas e das deputadas autoras do projeto de lei.
Também deve falar a ministra da Mulher e da Equidade de Gênero, Mónica Zalaquett, que se diz contrária à legalização até mesmo nas circunstâncias em que a atual lei permite a interrupção da gravidez.
“Esperamos aprovar o projeto na Comissão o mais rápido possível para o debate no plenário da Câmara”, publicou nas redes sociais a presidente da Comissão de Mulheres, a deputada da oposição Maite Orsini. “Que o Chile se vista de verde”, incentivou Orsini, em relação à cor do movimento feminista.
“A criminalização do aborto constitui uma violação gravíssima dos direitos humanos da mulher porque ignora a sua condição de sujeito de direitos, de cidadã plena e soberana do seu corpo. Significa criminalizar a sua capacidade moral e a sua autonomia para tomar decisões a respeito da sua própria vida. A criminalização não impede as mulheres de abortarem. O seu único efeito é o sigilo e a insegurança das mulheres que decidem abortar, para além do estigma que lhes é imposto”, justifica o projeto de lei que propõe alterar o Código Penal para legalizar a interrupção da gravidez até a 14ª semana de gestação, em todas as circunstâncias.
Inspiração argentina
Atualmente, a lei do aborto aprovada em 2017, prevê a interrupção legal da gravidez apenas em três circunstâncias: risco de vida para a mãe, inviabilidade do feto e estupro.
O debate sobre o aborto no Chile vem na esteira da aprovação desse direito pelo Congresso argentino na manhã do dia 30 de dezembro passado. Nos últimos anos, o movimento feminista argentino tem servido de inspiração para as mulheres chilenas e cada nova conquista das argentinas tem tido reflexo no Chile.
“A maré verde argentina irradiou aqui no Chile. As conquistas da Argentina são uma referência na vizinhança”, diz Camila Maturana, advogada e militante na Corporação Humanas, umas das organizações feministas responsáveis pelo projeto.
O atual debate no Congresso chileno, por exemplo, é consequência de uma iniciativa apresentada à Comissão em 2018, ano do primeiro debate pela legalização do aborto na Argentina, que foi rejeitado. Mas o exemplo impulsionou o movimento chileno.
Presidente pode vetar a lei
No entanto, diferentemente da iniciativa argentina impulsionada pelo presidente Alberto Fernández, o projeto de lei no Chile não conta com a aprovação do presidente chileno, o conservador Sebastián Piñera, que tem a prerrogativa de vetar uma eventual decisão do Congresso.
“O presidente Piñera já foi bem claro: este governo não está a favor do aborto. Essa é uma discussão que o Parlamento pode ter, mas não estamos a favor da aprovação do aborto fora das atuais circunstâncias previstas”, anunciou nas últimas horas Jaime Bellolio, porta-voz do Palácio La Moneda, sede do governo chileno.
Uma sondagem da consultora Plaza Pública Cadem indica que 56% dos chilenos são contra o aborto. Os entrevistados são a favor da interrupção da gravidez somente nas circunstâncias que a lei de 2017 prevê. Apenas 27% deles apoiam a interrupção da gravidez “sob qualquer motivo”.
Apesar da maioria contrária ao aborto, a sondagem também aponta que o apoio cresceu 12 pontos em relação a 2014, quando 15% aprovavam a legalização.
Um país em transformação
O debate também acontece quando o Chile se prepara para eleger uma Assembleia Constituinte que vai redigir uma nova Constituição, depois do vitorioso plebiscito de outubro passado. Uma das conquistas feministas, aprovadas no plebiscito, foi fazer do Chile o primeiro país a ter uma Constituição elaborada com igual quantidade representativa de homens e de mulheres.
Assim como a atual Constituição chilena, a criminalização do aborto em qualquer circunstância foi estabelecida pelo ditador Augusto Pinochet.
As três circunstâncias legais aprovadas há três anos – risco de morte para a mulher, inviabilidade do feto e estupro – chegaram durante o governo da ex-presidente Michelle Bachelet, em 2017.
No ano seguinte, o atual presidente Sebastián Piñera incorporou a chamada “objeção de consciência” para permitir que médicos e instituições privadas, especialmente as ligadas à Igreja, pudessem se negar a praticar o aborto. Metade dos médicos dos hospitais públicos se declararam “objetores de consciência” e não realizam interrupção de gravidez em nenhuma circunstância.
Nesta semana, o papa Fracisco voltou a condenar o aborto ao afirmar que “a morte não é um problema religioso, mas um problema de ética humana”. “É correto cancelar uma vida para resolver um problema, qualquer problema que seja? É correto contratar um assassino para resolver um problema?”, questionou o sumo pontífice, duas semanas depois de o aborto ser aprovado em seu país de origem.