Depois de bagunçar o direito no Brasil, Lava Jato ameaça a estabilidade das instituições em Portugal. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 20 de maio de 2018 às 17:43
Sérgio Moro (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

O advogado do empresário Raul Schimidt, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, está em Portugal para tentar reverter a decisão de um desembargador do Tribunal de Relação (português), que determinou na sexta-feira a prisão de seu cliente e a consequente extradição para o Brasil.

O advogado chegou lá depois que a procuradora da república Cristina Romanó, secretária de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal, esteve em Lisboa para tentar reverter outra decisão judicial, do Supremo Tribunal de Justiça, a última instância de Portugal, que colocou Raul em liberdade.

Tanto o advogado quanto a procuradora estão de acordo em um ponto: o caso Raul Schimidt pode afetar as relações diplomáticas entre o Brasil e Portugal.

“Qualquer tentativa para tirar o Raul de Portugal e levar para o Brasil seria um ato de sequestro internacional, um ato gravíssimo, que atenta para a estabilidade de dois países soberanos”, afirma Kakay.

Para Cristina, segundo registra o site do Ministério Público Federal, não há divergência entre as autoridades brasileiras e portuguesas quanto à extradição. “Apenas a atuação da defesa para impedir o cumprimento de uma decisão judicial válida”, afirma.

Raul teve a prisão decretada pelo juiz Sergio Moro, numa das fases da Lava Jato, em julho de 2015, acusado de facilitar os desvios de recursos de contratos da Petrobras para três ex-diretores da empresa, Renato Duque, Jorge Zelada e Nestor Cerveró.

Na época, segundo o MPF, Raul vivia em Londres e, para evitar o cumprimento do decreto de prisão, se mudou para Portugal, onde tem cidadania. Um direito dele.

Mesmo assim, em 2016, a Justiça de Portugal o prendeu, em atendimento a um pedido de extradição feito pelo Brasil, e desde então lutava nos tribunais para demonstrar que, sendo português nato, não poderia ser extraditado, já que, pela lei brasileira, brasileiros natos também não podem ser extraditados.

Se a Constituição brasileira proíbe a extradição de brasileiro nato, o do Brasil não pode oferecer essa reciprocidade, como teria feito, numa flagrante tentativa de enganar as autoridades portuguesas.

No início de maio, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que Raul não poderia, mesmo, ser enviado ao Brasil, mas por outro motivo: o governo brasileiro perdeu o prazo para pedir o cumprimento da extradição. Com isso, em princípio, o pedido de extradição caducou.

O que não conseguiu pelos meios oficiais, o Ministério Público Federal tentou pelo jeitinho.

Em Portugal, como admite o texto do MPF, a procuradora fez contatos com várias autoridades e, como resultado, sexta-feira um desembargador do Tribunal de Relação, instância inferior ao Supremo Tribunal de Justiça, emitiu nova ordem de prisão e autorizou a extradição.

Com isso, segundo Kakay, há o risco de uma crise institucional.

Raul não estava em casa quando os policiais estiveram lá para prendê-lo. E agora seus advogados, o do Brasil e os de Portugal, vão recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça. Entre outras coisas, devem alegar a ilegalidade da nova ordem de prisão.

“Há um habeas corpus deferido pelo Supremo Tribuna de Justiça que não está sendo cumprido”, diz Kakay.

Para ele, enviar a procuradora brasileira a Portugal depois que o Brasil perdeu o prazo para requerer a extradição pode se caracterizar ato de improbidade administrativa.

“Eu estou aqui pago pelo meu cliente, dinheiro privado. Eu não posso admitir que o Brasil, tendo perdido o prazo, determine a vinda de uma procuradora, para fazer os contatos aqui junto ao Poder Judiciário e à Procuradoria do Estado português. Acho que isso é uma pressão indevida ao Estado português. São Estados soberanos”, declarou.

Com a ofensiva sobre Portugal, a Lava Jato exporta para o outro lado do Atlântico um jeito de atuação que viola regras constitucionais.

No texto publicado pelo site do Ministério Público Federal, há uma frase que pode ser entendida até como ofensa às instituições portuguesas.

Diz que a procuradora Cristina Romanó, em seus contatos com autoridades locais, “salientou a importância de que Lisboa não se torne um refúgio para investigados da Lava Jato brasileira sem vínculos efetivos prévios com Portugal”.

Nos últimos anos, Portugal se transformou numa referência mundial de civilidade e qualidade de vida. A Lava Jato, no entanto, vê esse país na iminência de se transformar em refúgio de investigados.

O risco é outro. Se aceita esse discurso e atropela as leis para satisfazer a Procuradoria da República no Brasil, Portugal emite um péssimo sinal sobre a estabilidade de suas instituições.

O melhor a fazer é não dar ouvidos a quem age como justiceiro e não agente da justiça.