O Brasil é pródigo na arte da sátira. Anedotas surgem na velocidade da luz mesmo quando dizem respeito a alguma tragédia. As máscaras de carnaval que são criadas com os rostos dos personagens mais polêmicos do ano também são prova. Se quem as utiliza o faz em tom de crítica ou apoio, é uma ambiguidade que faz parte do humor.
Por isso, ao tomar conhecimento de uma camiseta estampada com a frase “In Moro we trust”, fiquei na dúvida se era uma confissão ou piada. Algo na linha acredito em duendes.
Era verdade. Uma amiga fotografou a vitrine da loja que ostentava um imenso adesivo reproduzindo a frase. Localizada em um desses shoppings onde só para estacionar o carro gasta-se o equivalente a oito passagens de metrô ou ônibus, a loja da marca Sergio K. vende a camiseta ‘básica’, no jargão da moda, ao preço de R$ 198. Cento e noventa e oito reais. Básico.
Criador da peça, Sergio K. é descrito em seu site como um empresário com “faro para identificar o que as pessoas querem usar e traduz atualidades em camisetas que somem das prateleiras em poucos dias”.
Sobre o produto, a descrição informa tratar-se de “uma homenagem ao juiz Sérgio Moro, que ganhou notoriedade e sacode o país com a Operação Lava Jato” e por isso confeccionada em apoio “ao juiz mais aclamado dos últimos tempos”.
Institucionalmente, a marca diz comercializar camisetas carregadas de “frases bem humoradas sobre celebridades da música, do futebol e mais recentemente da política”.
Por ‘mais recentemente da política’ entenda-se uma camiseta grafada “Uai We Can” em apoio à Aécio Neves na campanha presidencial de 2014 (cuja derrota fez o faro identificador de Sergio K. apostar em uma outra com a inscrição “A culpa não é minha, eu votei no Aécio”) e, agora, esta em louvor a Sergio Moro, sobre quem o xará Sergio K. declara: “Ele é a nossa esperança de combater a corrupção”.
A respeito do espírito de suas criações, ele afirma: “Gosto de expressar minha opinião com humor, não vejo mal nenhum nisso, é liberdade de expressão. Há uma frase de Freud que diz muito sobre o que eu acredito: ‘Brincando pode-se dizer tudo, até mesmo a verdade’. As pessoas dizem que a irreverência é minha marca registrada”.
O que ele considera irreverência já lhe causou problemas. Querendo faturar em cima da Copa do Mundo, lançou uma coleção de camisetas com frases do calibre “Cristiano Ronaldo é gay” e “Maradona Bicha”, entre outras preciosidades.
Diante da forte repercussão pela homofobia explícita transcrita nas camisetas, Sergio K. respondia da seguinte forma aos comentários no twiter: “Tô nem aí pra crítica desses babacas”; “Meu nome não é osso para estar em boca de cadela”; “Vai trabalhar, estudar, foder. Vai encher o saco de outro. Babaca!”.
Com reações desequilibradas como essas, mas depois alarmado pelo que tinha feito, tentou defender-se alegando que tinha se irritado pois não aceitava o rótulo de homofóbico afinal ele “até” empregava gays. Algo similar a quem diz que “até” tem amigos negros ou que se refira à empregada doméstica “como se fosse” alguém da família.
Auto definindo-se inteligente, criativo ou, como já expressou, irreverente (quando na verdade estava sendo puramente preconceituoso), Sergio K. pode, é claro, ter o direcionamento político que quiser, pode se manifestar através de sua camiseta, pode demonstrar seu apoio.
Mas se isso for uma iniciativa de campanha em prol do que acredita e não simples oportunismo, por que então não doa as camisetas já que elas estão cumprindo uma clara função política?
Se Sergio K acredita em Moro, em Papai Noel, em unicórnios alados, isso é problema dele, cada um acredita no que quiser. Como atua no ramo da moda, o que se poderia concluir é que trata-se apenas de mau gosto mesmo.
Mas é importante observar como uma manifestação política dessas se dá dentro de um centro comercial da elite sem causar espécie. Essa unanimidade em torno de Moro não é intrigante?