Deputado bolsonarista quer doação obrigatória de órgãos de pessoas assassinadas pela polícia

Atualizado em 15 de fevereiro de 2019 às 15:00
Daniel Silveira junto com Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República, ambos integrantes do PSL / Reprodução

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BRASIL DE FATO

“Inaceitável” e “reedição do nazismo” foram avaliações de especialistas na área de direitos humanos consultados por Fórum sobre projetos de lei do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) prevendo a doação compulsória de órgãos. O parlamentar, que ficou famoso ao rasgar placa em homenagem à vereadora do PSOL Marielle Franco, propôs doar compulsoriamente órgãos e tecidos de mortos em confronto com policiais e de cadáveres com indício de morte por ação criminosa.

“Isso é inaceitável. Vai gerar mortes encomendadas de pessoas pobres, jovens, moradores da periferia. Alguém precisa de um fígado, um rim ou um coração vai contratar policiais pra matarem alguém. É um estímulo à violência da polícia, tipo ‘salve uma pessoa de bem matando um bandido’”, disse à Fórum o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos do estado.

O advogado destacou, ainda, o desvirtuamento de um tema importante como a doação de órgãos. “A doação de órgãos não é compulsória. Depende da manifestação da pessoa em vida e do consentimento da família. Os corpos dos mortos, independente quem for, não são do Estado, e sim dos seus familiares”, afirmou.

Castro Alves disse, ainda, que os projetos ferem vários princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da inviolabilidade da intimidade, vida privada e da imagem das pessoas. Além disso, Ariel lembrou a existência do Decreto Lei 2.848 de 1940, que prevê pena de detenção de um a três anos e multa por vilipêndio de cadáver.

“Essa proposta é totalmente inconstitucional e ilegal. Uma aberração total. Mais um parlamentar que quer se promover com propostas absurdas e grotescas. Infelizmente esse tipo de parlamentar tem público e respaldo desse governo constrangedor, leviano e vergonhoso”, lamentou.

Desserviço à democracia

Felipe Freitas, doutorando em direito pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana, afirmou que a regra de disponibilidade de órgãos, mesmo pós-morte, é o respeito à vontade da pessoa.

“Qualquer coisa diferente disso é reeditar sistemas perversos na história da humanidade como o nazismo”, disse. Ele acredita que dificilmente os dois projetos de lei irão adiante.

“É uma proposta esdrúxula de um deputado violento e inexpressivo que quer obter visibilidade à custa de propostas toscas. Portanto, espero que o projeto seja arquivado já na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça]”, destaca. No entanto, acredita que a mera proposição de algo do tipo é “um desserviço à democracia”.

“É verdade que os parlamentares devem representar diferentes visões de mundo e que é cabível que em parlamentos democráticos setores de direita mais radical estejam representados. No entanto, é preciso que todas as visões políticas contidas no parlamento estejam contidas dentro do marco da constitucionalidade”, afirmou.

“A eleição deste tipo de parlamentar diz muito sobre um certo ódio social que o Brasil sempre cultivou e que aflora no momento da crise de modo visceral e explosivo. Isso pra mim ajuda a entender a eleição desses parlamentares, que não têm um projeto efetivo para garantia de direitos e que debocham da cidadania ao desenvolver condutas como essa de quebrar a placa em homenagem a Marielle. Figuras como este deputado passam a representar um tipo de catarse onde o desejo de segurança das pessoas toma forma de ódio contra os mais pobres e não a forma de luta por direitos e por cidadania”, acrescentou.