Publicado originalmente na Rede Brasil Atual:
O consumo de carne bovina no Brasil sofreu uma queda histórica em 2020, com a elevação do preço da carne e a dificuldade de se ter renda durante a crise sanitária de covid-19. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que, no ano passado, o consumo da proteína animal foi de 29,3 quilos por habitante. O menor patamar em 25 anos, desde 1996, quando a série histórica teve início.
O consumo de 2020, segundo os dados, representa ainda uma queda de 5% em relação a 2019, quando 30,7 quilos de carne bovina foram consumidos pelos brasileiros. Naquele ano, o patamar já havia recuado 9% em relação ao ano anterior.
De acordo com o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Júnior, a queda no consumo está relacionada à alta no preço da carne bovina. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o valor da proteína chegou a subir 25% em 2020, segundo a entidade. E até 30% em regiões mais pobres, como o Nordeste. O que não acompanhou a perda de renda da população brasileira, que viu a crise econômica ser agravada com a pandemia e a taxa de desemprego bater recorde, superando os 14 milhões de pessoas sem emprego.
E a perspectiva é que os preços da carne de boi continuem em alta, enquanto o consumo interno deve continuar em queda, principalmente com o fim do auxílio emergencial.
Retrocesso de décadas
“Isso tudo vai colocando um conjunto de dilemas para as famílias que, de alguma forma, precisam escolher entre o que comprar e o que não comprar com a pouca renda disponível que têm. E um dos itens que se acaba, de certo modo, abrindo mão, substituindo de alguma forma ou simplesmente deixando de comprar, é a carne bovina”, comenta Fausto à jornalista Maria Teresa Cruz, na coluna do Dieese do Jornal Brasil Atual.
Quem mais sofre com o aumento nos preços são os mais pobres do país. Os dados do Conab mostram que a população chegou a consumir 42,8 quilos por habitante. O ponto mais alto da série atingido em 2006, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na comparação com o consumo do ano passado, houve uma redução, portanto, de 13,5 quilos por habitante.
“Ou seja, de certo modo, a alta e a redução do consumo da carne no Brasil vai mostrando como o nosso país começa a regredir em algo bastante essencial que é a própria alimentação”, aponta o diretor técnico do Dieese. “Estamos regredindo algo em torno de 30 anos do ponto de vista do consumo. Isso significa que estamos voltando a patamares do começo dos anos 90, final dos anos 80. Lembrando que esse período foi um momento de crise econômica acentuada no Brasil e de perda da renda do conjunto dos trabalhadores. E era uma época também em que a inflação fazia parte da vida dos brasileiros”, acrescenta.
Negócio para o agro é a exportação
Diferente do início dos anos 90, Fausto observa que os brasileiros assistem hoje não a uma perda do controle inflacionário, mas sim a uma elevação de preços muito acima da média da inflação de alguns itens da cesta básica. Principalmente os que estão ligados à exportação. Isso explica, segundo ele, o porquê do agronegócio, apesar ter um lobby no Congresso Nacional, benefícios econômicos e de desoneração, e até apoio do ponto de vista de acesso a crédito subsidiado, ainda assim optar pelo mercado internacional em detrimento do nacional.
A proteína animal nesse caso, como ele destaca, está basicamente organizada para a exportação a grandes mercados. Entre eles o da China, Europa e até parte dos Estados Unidos.
“E uma vez que se tem toda essa produção para a exportação, o preço acaba sendo relacionado ao dólar. E como a taxa de câmbio subiu, estamos com uma taxa acima de R$ 5,30, o produtor rural no Brasil, o criador de gado, a empresa de produção de proteína animal, eles optam por exportar ao invés de manter o produto no Brasil. Inevitavelmente, pela lei da oferta e demanda, acaba que o produto tem uma alta de preço muito acima inclusive da média da inflação”, comenta.
A reportagem da BBC News Brasil também consultou especialistas, ligados ao setor da agropecuária, que apontaram a previsão de que os preços das carnes devem permanecer pressionados pelo menos até a metade de 2022.