Como as ações penais contra o advogado Tacla Duran estão suspensas por decisão do Supremo Tribunal Federal, o desembargador Marcelo Malucelli, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é incompetente para restabelecer a prisão preventiva dele, como fez na última terça-feira (11/4). Essa decisão só poderia ser tomada pelo STF.
O desembargador do TRF-4 restabeleceu, na terça, a prisão preventiva do advogado Tacla Duran, que havia sido revogada pelo juiz Eduardo Appio, da 13ª Vara Federal de Curitiba. A decisão veio após o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, suspender as duas ações penais contra Tacla Duran.
Em 13 de março, Lewandowski suspendeu duas ações penais contra Tacla Duran, além de todos os incidentes processuais relacionados aos casos. Os processos são baseados em provas de delatores da construtora Odebrecht. O ministro mencionou que os documentos dos sistemas MyWebDay e Drousys, do chamado “Setor de Operações Estruturadas” da Odebrecht, podem ter sido adulterados.
Em seguida, Tacla Duran pediu a revogação da sua ordem de prisão preventiva — que foi decretada em 2016 pelo ex-juiz Sergio Moro. O pedido foi aceito, e Eduardo Appio cassou a medida em 4 de abril.
O Ministério Público Federal apresentou correição parcial contra a decisão de Appio. Na última terça (11/4), o desembargador Marcelo Malucelli, relator dos processos da “lava jato” no TRF-4, revogou a decisão do juiz e restabeleceu a prisão preventiva de Tacla Duran.
O magistrado apontou que, como Lewandowski determinou a suspensão das ações penais contra o advogado, “evidentemente é indevida a prática de quaisquer atos nas referidas demandas e incidentes a elas relacionados”.
Dessa maneira, Malucelli considerou ilegal a decisão de Appio que revogou a prisão preventiva de Tacla Duran — proferida após o ministro suspender os processos. Por isso, suspendeu o despacho e restabeleceu a prisão do advogado, “visto que prolatada antes da suspensão determinada pelo STF e, não tendo sido revogada pela Suprema Corte, portanto, permanece hígida”.
Sem competência
Se Marcelo Malucelli cassou a revogação da prisão preventiva de Tacla Duran porque ela foi proferida após a suspensão das ações pelo STF, o TRF-4 também é incompetente para restabelecer a prisão do advogado — o que só poderia ser feito pelo Supremo, afirma o advogado Davi Tangerino, professor de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Ou seja: tanto a revogação da prisão, pelo juiz Eduardo Appio, quanto o restabelecimento da medida, pelo desembargador Marcelo Malucelli, são atos nulos, pois nenhum dos magistrados tem competência para atuar nos processos.
“Prisão não se restabelece desse modo. Precisa ter competência para decretar. E isso o TRF-4 não tem” porque o STF suspendeu as ações, avalia o jurista Lenio Streck.
Mesmo se o TRF-4 fosse competente, o desembargador não poderia, em correição parcial, ter revogado a decisão de Appio e restabelecido a prisão. Se o juiz da 13ª Vara de Curitiba invadiu a competência do Supremo, o caminho para contestar sua decisão seria via reclamação na corte.
Afinal, invasão de competência não é “erro ou abuso que importe inversão tumultuária do processo”, o que justifica a interposição de correição parcial, conforme o artigo 164 do Regimento Interno do TRF-4.
E se a decisão de Appio não invadiu a competência do STF, o MPF deveria ter interposto recurso em sentido estrito, conforme o artigo 581, V, do Código de Processo Penal, diz Tangerino. O dispositivo estabelece que a medida é cabível contra decisão que revogar prisão preventiva.
Nota do TRF-4
Em nota divulgada nesta sexta-feira (14/4), o TRF-4 afirmou que o desembargador Marcelo Malucelli “limitou-se a revogar decisão do evento 92 do processo 50315226420174047000 que tramita no primeiro grau e, consequentemente, restabelecer a decisão anterior (evento 80), em respeito à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.
Ou seja: o magistrado teria apenas cassado a decisão de Eduardo Appio que revogou a prisão de Tacla Duran e restabelecido o despacho, da juíza Gabriela Hardt, que manteve a medida em 2022.
“A decisão do desembargador relator, assim, limitou-se a revogar a decisão proferida em primeiro grau, porque entendeu que ela contrariava a determinação do Supremo Tribunal Federal, pois a decisão questionada foi proferida posteriormente à manifestação da referida Corte”, diz a nota do TRF-4.
Segundo o tribunal, Malucelli “não decretou qualquer prisão, mesmo porque esta medida sequer foi solicitada ou estava em discussão no referido procedimento”.
Laços íntimos
Autor da ordem de prisão preventiva do advogado Rodrigo Tacla Duran, o desembargador Marcelo Malucelli, do TRF-4, é pai do advogado João Eduardo Malucelli, sócio do ex-juiz Sergio Moro em um escritório de advocacia e namorado da filha mais velha dele. Duran acusa Moro de uma tentativa de extorsão para que não fosse preso durante a finada “lava jato”.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou no Twitter, nesta sexta, que irá ao Conselho Nacional de Justiça pedir o afastamento de Malucelli.
“Entrarei no CNJ pedindo o afastamento do desembargador Marcelo Malucelli, que restabeleceu a prisão de Tacla Duran, vítima de extorsão na Lava Jato. O filho dele, João Malucelli, é sócio de Sergio Moro em um escritório de advocacia. Espero a condenação que foi dada a Dellangnol”, disse Calheiros.
A assessoria do casal Sergio e Rosangela Moro informa que eles estão “afastados das atividades do escritório desde o início do mandato parlamentar (em fevereiro), permanecendo no quadro social somente como associados”. Sergio Moro é senador (União Brasil-PR) e Rosangela, deputada federal (União Brasil-SP).
Acusação de extorsão
Em depoimento prestado no fim de março, Tacla Duran afirmou que foi alvo de uma tentativa de extorsão para que não fosse preso durante a “lava jato” e implicou Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, hoje deputado federal, no suposto crime. Ele entregou fotos e vídeos que comprometeriam os parlamentares.
A declaração foi dada ao juiz Eduardo Appio. Como a acusação envolve parlamentares, o magistrado decidiu enviar o caso ao Supremo Tribunal Federal, corte competente para julgar autoridades com prerrogativa de foro. O ministro Ricardo Lewandowski entendeu que a investigação deveria correr no STF e suspendeu duas ações penais contra o advogado.
Appio também determinou que Tacla Duran fosse colocado no programa de proteção a testemunhas.
Depois da decretação da prisão preventiva de Tacla Duran, Appio pediu que Marcelo Malucelli esclareça se o mandado de prisão será expedido pela 13ª Vara Federal de Curitiba ou pela 8ª Turma do TRF-4.
O juiz também disse que pedirá que o ministro da Justiça, Flávio Dino, adote medidas para “evitar a coação ou intimidação” de Tacla Duran.
“Este juízo federal não admitirá qualquer forma, direta ou indireta, de coação da testemunha no curso do processo, independente de sua origem, na medida em que não se compactua com qualquer forma de intimidação ou pressão para que a testemunha silencie”, afirmou o juiz.
“A pessoa (Tacla Duran) contra a qual se destina a prisão preventiva decretada na tarde de ontem (11/4) goza de protocolo de condição de testemunha protegida e deve ser ouvida, na presença deste magistrado que ora subscreve (…), até o final desta semana”, acrescentou Appio.
Acusações contra lavajatistas
Tacla Duran afirmou que foi alvo da “lava jato” por não ter aceitado ser extorquido. “O que estava acontecendo era um bullying processual, em que me fizeram ser processado pelo mesmo fato em cinco países por uma simples questão de vingança.”
Tacla Duran foi preso preventivamente na “lava jato”, em 2016. Seis meses antes, ele tinha sido procurado pelo advogado Carlos Zucolotto Júnior, que era sócio de Rosangela Moro.
Em conversa pelo aplicativo Wickr Me, Zucolotto teria oferecido acordo de colaboração premiada, que seria fechado com a concordância de “DD” (iniciais de Deltan Dallagnol). Em troca, queria US$ 5 milhões. Zucolotto teria dito que os pagamentos deveriam ser feitos “por fora”.
Um dia depois, segundo Tacla Duran, seu advogado no caso recebeu uma minuta do acordo em papel timbrado do Ministério Público Federal, com os nomes dos procuradores envolvidos e as condições negociadas com Zucolotto.
Em 14 de julho de 2016, Tacla Duran fez transferência bancária para o escritório de um outro advogado, no valor de US$ 613 mil, o equivalente hoje a R$ 3,2 milhões. A transferência era a primeira parcela do pagamento pela delação. “Paguei para não ser preso”, disse o advogado em entrevista a Jamil Chade, do UOL.
Porém, depois ele deixou de fazer os pagamentos, e Sergio Moro decretou sua prisão preventiva. Contudo, o advogado já estava fora do Brasil. Ele acabaria preso em Madri.
No último dia 26, o influencer Thiago dos Reis divulgou o documento de transferência bancária para a conta do segundo advogado, que foi parceiro de Rosangela Moro em ações da Federação da Apae no Paraná e também na defesa da família Simão, um caso que ficou conhecido como “máfia das falências”.
Em nota lançada após o depoimento, a assessoria de Sergio Moro afirmou que o senador é alvo de “calúnias” e que o político não teme “qualquer investigação”.
“Trata-se de uma pessoa que, após inicialmente negar, confessou depois lavar profissionalmente dinheiro para a Odebrecht e teve a prisão preventiva decretada na Lava Jato. Desde 2017 faz acusações falsas, sem qualquer prova, salvo as que ele mesmo fabricou. Tenta desde 2020 fazer delação premiada junto à Procuradoria-Geral da República, sem sucesso, por ausência de provas, o procedimento na PGR foi arquivado em 9/6/22”, disse o ex-juiz.
Dallagnol afirmou que o juiz Eduardo Fernando Appio “acreditou” em um acusado que “tentou enganar autoridades da Lava Jato”.
“Adivinha quem acreditou num dos acusados que mais tentou enganar autoridades na Lava Jato? Ele mesmo, o juiz lulista e midiático Eduardo Appio, que nem disfarça a tentativa de retaliar contra quem, ao contrário dele, lutou contra a corrupção”, afirmou em seu perfil no Twitter.