Tente assistir a uma entrevista de Bolsonaro sem rir e falhe miseravelmente.
Além de ser um meme pronto, ele não mede esforços pra virar piada e se defende sempre com a agressividade costumeira e a cola na mão: “Deus, Família, Brasil” (quem precisa de cola pra lembrar disso???)
Ontem, no Jornal Nacional, ao tentar fugir da pergunta sobre desigualdade salarial entre homens e mulheres – como se o Brasil não já soubesse que ele já disse em outra oportunidade que mulheres deveriam ganhar menos porque engravidam –, Bolsonaro supôs que o salário de Renata Vasconcellos, âncora do JN, seria menor que o de Bonner, âncora e editor chefe, no maior estilo passivo-agressivo que a direita histérica adora.
“Eu tô vendo aqui uma senhora e um senhor… eu não sei ao certo, mas, com toda certeza (???) há uma diferença salarial aqui, parece que é muito maior pra ele do que pra a senhora”, falou.
“Candidato, desculpe, eu vou interromper vocês: eu poderia até como cidadã, como qualquer cidadão brasileiro, fazer questionamentos sobre os seus proventos, porque um senhor é um funcionário público, deputado há vinte e sete anos, e eu, como contribuinte, ajudo a pagar seu salário”, respondeu Renata.
“O meu salário não diz respeito a ninguém, e eu posso garantir ao senhor, como mulher, que eu jamais aceitaria receber um salário menor de um homem que exercesse as mesmas funções a atribuições que eu. Mas agora eu vou devolver a palavra ao senhor.”
Como se diz aqui na Bahia: Receba!
Renata está tendo seus momentos de rainha da internet depois de protagonizar a cortada mais elegante do jornalismo brasileiro de 2018 (Sandra Anenberg curtiu isso) em rede nacional e colocar Bolsonaro em seu devido lugar.
Ela não contou ao espectador que ganha menos que Bonner porque ambos têm cargos diferentes.
E que o colega ganha pelo menos quatro vezes mais que ela. Que diferença de atribuições justificaria tão gritante diferença?
Não contou que mulheres não somente ganham menos – 25%, como aponta o IBGE – com as mesmas funções e atribuições que seus colegas homens, como também, muitas vezes, têm dificuldade em ultrapassar as barreiras da natural credibilidade masculina no mercado e dificilmente alcançam altos cargos como seus colegas homens – quando o fazem, o caminho decerto é mais árduo.
Também não contou que recebe menos que outras pessoas que desempenham as mesmas funções e atribuições que ela na emissora.
Renata é chefe de reportagem mas não tem a função no salário – ou seja, ganha menos do que deveria para a função que, na prática, desempenha.
Uma discussão no Jornal Nacional, entretanto, não poderia ter tamanha profundidade. Ou a “rainha da internet” estaria demitida no dia seguinte.
Renata Vasconcellos se defendeu elegantemente e fez o que qualquer mulher corajosa espera de outra mulher, mas omitiu uma parte importantíssima de seu discurso: a desigualdade salarial na Globo é gritante, e isso é, sim, um problema do Brasil.