“Despertei de um sono profundo”: a confissão de um ex-manifestoche

Atualizado em 19 de fevereiro de 2018 às 22:45
Bruno Gabriel Prates

Por Bruno Gabriel Prates, advogado

A manipulação é sutil e nos dá um sentimento de engajamento, de luta, de abdicação por uma causa que não sabemos muito bem qual é. Escrevo desta forma, porque é assim que imagino que muitos outros brasileiros se sintam.

Não tenho por objetivo fazer uma análise legal de pontos técnicos que culminaram no impeachment, pois, mesmo sendo advogado, tal reflexão não me apetece e já foi feita por muitos outros entendidos e em muitos outros momentos. Aliás, opiniões não faltam, existe praticamente uma barraca de feira com ofertas de análises políticas, a torto e a direito, com posicionamentos que agradam às mais variadas vertentes.

Me proponho a refletir sobre o que é a manipulação, no sentido etimológico da questão e o quanto isso me despertou de um sono profundo. A manipulação na interpretação mais aberta da palavra se constitui em um ato, onde determinado indivíduo trata uma pessoa como se fosse um objeto, a fim de dominá-lo com facilidade.

Este tratamento é como uma redução ilegítima de uma pessoa a um objeto, com um interesse quase sádico.

Não sou um fiel incauto do antigo governo, nunca fui totalmente identificado com suas visões de mundo, nem pretendo levantar uma bandeira de defesa de uma presidente que já caiu, mas pretendo refletir sobre o instrumento da manipulação.

Eu, como muitos outros brasileiros que conheço, fui tomado por uma sanha de guerrilha, de combater a injustiça, a corrupção, de promover o crescimento de um país que já estava estagnado e acreditei nos crimes de responsabilidade que pareciam existir.

Não me proponho a analisar as pedaladas, além daquelas que víamos nos meios de comunicação, onde a Presidente andava com sua bicicleta e um segurança, por Brasília, geralmente aos finais de semana pela manhã.

Tendo por comprovada a existência do crime de responsabilidade, por assim dizer, deixemos que isto assim permaneça, mudar o discurso não muda os fatos.

Mas, voltando ao cerne da reflexão proposta, quero dizer do dia em que despertei para a manipulação. Este dia, tardio, foi o dia em que enxerguei que os movimentos de “liberdade” social já não mais lutavam por liberdade, pelo contrário, se calaram.

Foi o dia em que vi um Presidente liberar milhões intermináveis para propaganda, em atos muito semelhantes ao do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), para aprovar pacotes antipáticos à população, visto que são comprovadamente desnecessários e ser aplaudido pela grande mídia.

Um pouco antes deste dia de despertamento, me veio a ideia de onde estariam os organismos internacionais, as chancelas culturais diante de reformas que extinguem e retroagem direitos sociais históricos, bem como, qual é a razão para aceitarmos tão pacificamente o que tem ocorrido.

Neste momento pensei a respeito da manipulação existente através da linguagem, que pode difundir a verdade ou propagar a mentira. A linguagem manipuladora é sedutora e geralmente tem uma “ideia de efeito”.

A ideia de efeito que nos manipula hoje é a liberdade.

Quando os manipuladores (que são muitos, dentre eles, as grandes empresas de comunicação, bem como algumas vozes do poder legislativo, visto que o chefe do executivo é para o Brasil, o que o jiló é para uma criança, insosso e insípido), introduzem o discurso de que os atos de austeridade ora propostos são para alcançar a liberdade nacional, ante as dívidas externas, ante aos déficits, ante às desigualdades e para que se permita a liberdade dos cidadãos no amanhã, de negociar com o seu patrão, de se aposentar com melhores condições, de escolher seus melhores caminhos, o povo, como eu, ficamos intimados, sem exercer o nosso poder de crítica.

Uma pena que tantos serão como eu, em um dia, tarde da vida, descobrirão que fomos manipulados com liberdade, uma liberdade que na verdade nos tornou mais escravos e desiguais do que nunca.

Fica aqui o meu lamento, por mim e pelo Brasil.