O show do Capital Inicial em Curitiba no último fim de semana teve um convidado especial (terá pagado ingresso ou foi de cortesia?): Sérgio Moro.
Aboletado num balcão VIP de frente para o palco, ele foi anunciado pelo vocalista Dinho Ouro Preto, o homem que mais fala “cara” no mundo lusófono.
“Eu não me sinto representado por ninguém. Gostaria que o Brasil voltasse às nossas mãos”, discursou o cantor. “Eu vou dedicar essa música hoje ao juiz Sérgio Moro. Ele está aqui assistindo”.
A plateia enlouqueceu. O magistrado, ovacionado, se ergue para fazer uma mesura em seu indefectível terno preto. Um perfeito candidato, a nossa grande esperança branca de dar um jeito nessa desgraça agradecendo seus seguidores e, quem sabe, futuros eleitores.
Em seguida, entram os acordes de “Que País É Esse?”, da Legião Urbana, hino das manifestações coxas desde pelo menos 2014.
A sagração de Moro foi o único momento da apresentação em que os bocejos foram interrompidos. Se você fosse o Dinho, talvez fosse o caso de refletir sobre isso.
Agora, se você fosse o Dinho, deveria pensar mesmo se o autor, Renato Russo, estaria de acordo com a homenagem. Sendo impossível saber, dado que ele já está morto, talvez fosse o caso de não cometer nenhuma estupidez, certo?
Não me parece cabível qualquer especulação sobre se Renato estaria contra ou a favor do impeachment, se à esquerda ou à direita etc. Não é disso que se trata.
Veja apenas o exemplo de Lobão: se ele tivesse abotoado o paletó de madeira há dez anos, sua última fotografia seria aquela com o boné do MST. Um revolucionário.
“Que País é Esse?” é um hit de protesto que casou com a diluição coxa. É tudo meio genérico. “Nas favelas, no senado, sujeira pra todo lado” etc. Contém aquele elemento de autodesprezo característico do rock nacional dos anos 80. “Terceiro Mundo se for, piada no exterior”.
Foi composta em 1978, quando Renato era membro do Aborto Elétrico. Como várias outras de Renato, virou standard do Capital. A banda tem acionado a canção para fazer proselitismo em seus espetáculos. Deu no que deu.
“Que Pais É Esse?” não foi composta para servir de jingle para nenhum partido. Por que agora seria OK coloca-la a serviço de um juiz político, herói de uma nova direita? Por que dar a ele esse presente — sem a anuência de quem de direito?
No início do mês, Neil Young proibiu Donald Trump de utilizar “Keep On Rocking in The Free World” nos comícios.
Neil, que está fazendo campanha para Bernie Sanders, explicou no Facebook: “Estou feliz que tantas pessoas com crenças diferentes obtenham prazer da minha música, mesmo se não compartilham minhas crenças”.
Continuou: “Eu não confio em políticos. Eu confio em pessoas. Eu faço minha música para as pessoas, não para os candidatos.”
Infelizmente, os herdeiros de RR, sempre às voltas com altas confusões jurídicas, parecem não se incomodar. Dinho, que foi amigo de Russo, não vai se mexer. Nada indica, aliás, que esteja agindo de má fé. O Dinho é o Dinho. Está faturando. Complicado é ele e seu pessoal acharem tudo normal.
Pobre Renato Russo. Que país é esse? Como responde o corinho fascistoide, é a porra do Brasil.