Depois que foi eleito, o prefeito João Doria levou os vereadores de sua base, também eleitos, para o prédio que permite a visão mais elevada de São Paulo, o Terraço Itália, e durante uma pausa no almoço mostrou a todos a cidade.
— Fiz questão de convidá-los para vir ao restaurante do Terraço Itália porque, daqui, podemos ver todas as regiões da cidade. Esta é a cidade que eu vou governar e quero que todos nós governemos juntos. Não sou candidato a mais nada, nem à reeleição. Quero apenas fazer um mandato que fique na história da cidade.
Vereadores que estiveram presentes e conversaram comigo lembram que olhos dele brilhavam muito. Parecia sincero.
A promessa de que não será candidato a nada é repetida em outros encontros, mas, entre os políticos, não encontrei ninguém que acredite nela.
Numa das primeiras oportunidades que teve, ao plantar uma árvore, chamou o ex-presidente Lula para a briga, dedicando a espécie plantada “ao maior cara de pau do Brasil”.
Não era apenas falta de gentileza com quem nem presente estava.
Doria certamente fez isso de caso pensado, para polarizar com quem será candidato a presidente a 2018 ou, no mínimo, o principal eleitor da disputa.
“O espaço que sobrou para Doria é a direita”, disse um vereador.
Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra já foram inviabilizados pela Lava Jato.
Por isso, os eleitores do PSDB agora vêm de graça.
Marina Silva é considerada uma espécie de cavalo paraguaio – larga bem e depois fica para trás. Pelas últimas pesquisas, nem largando bem está.
Nesse cenário, sobra Jair Bolsonaro, o mais bem colocado na pesquisa depois de Lula e é nos eleitores do deputado federal que Doria mira quando chama grevistas de vagabundos.
Ou convoca “as pessoas de bem” para governar a cidade, frequenta os eventos do MBL e fortalece o partido que nasceu do Vem Pra Rua.
Doria é filho de um publicitário que foi chamado de João Dólar pela fortuna que gastou para tentar se eleger deputado federal pelo Estado da Bahia, em 1962.
Quem lhe pregou na testa o apelido foi Antônio Carlos Magalhães, também da Bahia, da pseudomoralista UDN e rival de João Doria pai.
João Dólar fez campanha em dobradinha com o jornalista Sebastião Nery, candidato a deputado estadual.
Era nascido na Bahia, mas trabalhava como publicitário em São Paulo – gastou bastante, mas não foi além da primeira suplência.
Acabou assumindo a cadeira em Brasília, com a licença do titular e fez parte da base do presidente João Goulart, como membro do PDC.
João Doria filho é capaz de escrever trás quando quer dizer traz, mas o pai tinha um domínio pleno da palavra escrita.
Fez parte de um grupo que reagiu ao golpe e escreveu um manifesto enviado aos jornais da época, em que dizia que o país, na época chamado Estados Unidos do Brasil, deveria passar a se chamar Brasil dos Estados Unidos.
“Era um gênio”, escreveu Sebastião Nery a respeito do antigo colega de chapa.
Já o filho se notabilizou pela agressividade.
“Se apertar, ele recua, mas quem não o conhece se intimida”, afirma um empresário com quem Doria já teve contenda, ainda no tempo em que presidiu a Embratur.
Quando atira flores no chão ou chama adversários de vagabundos, Doria age como gosta.
Ao convocar cidadãos de bem para sua causa, ele evoca o que há de pior na história da humanidade.
Cidadão de bem era o nome do jornal da Klu Klux Klan, no seu período mais ativo.
Com versículos bíblicos, em nome das famílias americanas, a organização combatia seus conterrâneos de origem africana.
Assim como Doria, os integrantes da KKK se apresentavam como cavaleiros iluminados, diante das hostes da maldade.
Era puro preconceito, mas ao dissimulá-lo sob o embate do bem contra o mal ganhavam adeptos.
Doria se apresenta como o novo, diante da carcomida classe política, mas seu comportamento denuncia o que há de mais antigo: o ódio.
E assim ele vai continuar conclamando a turma do bem, chamando de vagabundo quem luta por uma causa, quem luta por direitos coletivos.
É, sem dúvida, falta de opção no campo ideológico, mas pode ser mais do que isso: o encontro da vocação com seu destino.