Israel não está exercendo o “direito de defesa” em Gaza. Está exercendo o “direito de vingança”, segundo o código de Hamurabi, rei sumério no século XVIII antes de Cristo. É a chamada lei de Talião, popularizada como “olho por olho, dente por dente, pé por pé”. Ela atribui ao infrator uma pena equivalente a sua infração. Trata-se também do código penal do Antigo Testamento bíblico, dado por Deus a Moisés, a fim de que instruísse o povo judeu sobre regras de convivência.
Não sei das convicções religiosas de Benjamin Netanyahu. Certamente não é cristão. É que, no Novo Testamento, Cristo ensina que, se lhe derem um tapa numa face, em vez de reagir você deve oferecer-lhes a outra. Entretanto, mesmo que seja um judeu ortodoxo ao estilo do Velho Testamento, está exagerando. O ataque do Hamas é imperdoável. Suscita vingança. Contudo, nem Hamurabi, muito menos Cristo, disseram que se deve reagir a um crime na proporção de 30 para um.
É o que acontece em Gaza, quantitativamente. Qualitativamente é pior. Para cada mil adultos mortos no massacre realizado pelo Hamas em Israel, o primeiro-ministro impõe mais de 30 mil mortos de inocentes em Gaza, principalmente crianças e mulheres, e outras atrocidades contra 2 milhões de palestinos. Isso não se compara ao holocausto. Mas, pelo que entendi da fala de Lula na Etiópia, ele disse que o massacre planejado para o sul de Gaza é de um tipo que não se vê desde o holocausto.
A imprensa conservadora, e ex-diplomatas brasileiros de igual tendência, viram na fala do Presidente uma oportunidade de atacá-lo em bloco, de forma a desviar o foco central da Conferência de Chanceleres, no Rio. Esta examinou a questão mais inquietante para o mundo atualmente: a fome de centenas de milhões de pessoas, aliada a uma exponencial concentração de renda no chamado mundo globalizado. A crise fabricada por Netanyahu tentou esconder essa chaga dos olhos do planeta.
Pessoalmente, foi também uma oportunidade para ele recuperar alguma credibilidade depois de tentar impor ao País uma reforma que aniquilava com a democracia e a independência da Justiça. Isso, aliás, está por trás da própria guerra ao Hamas. A dura resistência de Netanyahu à solução da crise palestina através de um acordo negociado em Oslo, patrocinado pelos EUA, prevendo a existência de dois Estados, minou sua credibilidade perante até os antigos aliados ocidentais.
Mesmo agora, quando o mundo está tomando consciência de que jamais haverá paz entre israelenses e palestinos se Israel não aceitar a solução dos dois Estados, Netanyahu mantém sua oposição aos acordos negociados em 1995 por Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, testemunhados por Bill Clinton, ao mesmo tempo em que promete matar até o último integrante do Hamas. Para cumprir esse compromisso junto a seus compatriotas, justifica o bombardeio e o aniquilamento de inocentes.
Será um novo marco na História do povo judeu, que jamais será esquecido. Será também motivo para que surja um novo Hamas em cada canto do planeta onde houver um palestino expatriado ou expulso de suas terras ancestrais. Assim, como os israelenses, eles têm laços estreitos em todo o mundo árabe, que os toma como irmãos. Netanyahu terá de caça-los pelo planeta, um a um, com seu equipamento de espionagem que poderia perfeitamente ser usado agora, sem matança.
Mas o primeiro-ministro quer prolongar a guerra, a pretexto de liquidar “até o último integrante do Hamas”. Ele sabe que isso custará milhares de vidas, sem sucesso garantido, mas, tendo o apoio dos EUA e de seus aliados, aposta em pagar o preço. Já os EUA e aliados ocidentais, temendo o peso dos judeus nas eleições, mantêm uma atitude passiva diante do massacre, anunciado “como direito de Israel se defender”. Quem não pensa assim, é logo classificado como antissemita.
O impasse está criado, por causa de um único homem e de seu grupo de extrema direita, encastelado no poder em Israel. É uma tragédia humana que só poderia ser evitada, ou amainada, pela ação de homens como Gandhi, Luther King, Mandela. Não vejo um único líder desse tipo no cenário mundial atual. Minto. Há um homem que está construindo uma reputação desse tipo, por ter abraçado, corajosamente, junto aos ricos, a defesa intransigente dos pobres. Chama-se Lula.