“Dizer que governo Bolsonaro não tem projeto e está em frangalhos é um erro”: a entrevista do presidente do PSOL ao DCM

Atualizado em 5 de maio de 2019 às 7:48
Juliano Medeiros, presidente do PSOL. Foto: Reprodução/Twitter

Entre os partidos do campo progressista, proporcionalmente, o PSOL é o que mais cresceu na eleição de 2018. Num cenário inóspito para quem defende bandeiras ideologicamente ligadas às liberdades sobretudo de comportamento, e ainda um enfrentamento claro ao predomínio das chamadas elites, o partido dobrou sua bancada de deputados federais e estaduais e superou com folga a chamada cláusula de barreira.

Guilherme Boulos virou referência e não são poucos os que acreditam no seu potencial. Na entrevista que concedeu ao El País e à Folha, Lula citou Boulos como uma liderança em ascensão.

Não por acaso, entre os adversários escolhidos por Bolsonaro e filhos, o PSOL é um dos mais atacados.

O DCM conversou com o presidente nacional do partido, Juliano Medeiros, nesta semana.

DCM – Qual a sua avaliação sobre esses primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro?

Juliano Medeiros – Dizer que o governo Bolsonaro não tem projeto é um erro. Seu projeto tem múltiplas facetas, todas elas extremamente perigosas para a democracia e os direitos sociais. Ficou evidente que o governo não tem a força que gostaria, mas está longe de ser um governo em frangalhos. E nesse período isso ficou nítido. Seus ataques à educação, às minorias, à política externa independente, tudo isso mostra um sentido de projeto que busca se consolidar. E estamos aqui para evitar que isso aconteça.

DCM – E sobre os governadores de São Paulo e Rio, João Doria e Wilson Witzel?

A situação do Rio de Janeiro foi bem descrita pelo prefeito da capital, Marcelo Crivella, que numa entrevista afirmou que “o Rio é uma esculhambação completa”. Agora, além de ter sido saqueado nos governos corruptos do PMDB, está nas mãos de um psicopata. O juiz Witzel não tem qualquer respeito pelo Estado Democrático de Direito, é um sujeito totalmente incapaz de conviver com a democracia. Precisa ser detido de alguma forma. No caso de São Paulo, Dória representa um tucanato piorado, porque próximo do neofascismo de Bolsonaro. A situação aqui é muito difícil.

DCM – Proporcionalmente, o PSOL foi o partido que mais cresceu no campo progressista na eleição do ano passado. Qual avaliação em relação a esse desempenho?

Juliano Medeiros – Foi uma eleição diferente de tudo o que estávamos acostumados. A entrada em cena de um discurso muito forte contra a esquerda e o uso indiscriminado de mentiras e boatos disseminados pela internet criaram um contexto muito difícil para todos os partidos de esquerda ou centro-esquerda.

Mesmo o PSOL, que não tem contra si qualquer denúncia de corrupção e sequer fez parte dos governos petistas, foi diretamente afetado por esse fenômeno.

Apesar disso, tivemos um excelente desempenho, especialmente se comparado com outros partidos do nosso campo. Dobramos a bancada de deputados federais e estaduais e superamos com folga a cláusula de barreira. Além disso, tivemos uma candidatura presidencial que apresentou um projeto de esquerda para o país e consolidou a liderança de Guilherme Boulos como uma das mais promissoras para o futuro.

DCM – O que esperar agora?

Juliano Medeiros – Acredito que nossas tarefas são fundamentalmente defensivas nesse primeiro momento. Apesar da baixa popularidade de Bolsonaro, ele tem potencial para fazer um estrago enorme nos direitos do povo brasileiro, com o beneplácito das elites golpistas que sustentaram Temer por mais de dois anos.

Por isso, espero um 2019 de muita resistência e muita unidade, especialmente para impedir a aprovação da reforma da Previdência.

Para o PSOL, se a reforma for derrotada – o que só será possível com pressão nas ruas e unidade no parlamento – podemos reequilibrar o jogo e mostrar para a maioria do povo brasileiro que a esquerda tem compromisso com os direitos.

DCM – Em São Paulo e Rio, existe a possibilidade de composição com outros partidos do campo progressista?

Juliano Medeiros – Ainda não iniciamos formalmente essa discussão. Como disse, nosso foco agora é a defesa dos direitos. Vamos travar o debate nas instâncias do PSOL. No caso do Rio de Janeiro, como o nome do deputado Marcelo Freixo aparece em pesquisas internas com muita força, como um nome natural para unir a esquerda, é previsível que haja o interesse de outros partidos de esquerda e centro-esquerda. E vejo essa possibilidade como extremamente positiva. O caso de São Paulo é mais difícil, já que o ex-prefeito Haddad já manifestou que não pretende ser candidato. Nesse caso, aumenta a tendência de divisão.

DCM – E nas outras capitais?

Juliano Medeiros – Como disse, ainda não iniciamos essa discussão. Mas analisaremos caso a caso, com muita cautela e responsabilidade, levando em conta a correlação de forças em cada cidade, os nomes em questão, a vontade de militância do partido em nível local e, claro, nossa coerência: não nos aliamos a partidos de direita ou mesmo centro-direita. Mas penso que não haverá no PSOL um veto à possibilidade de eventuais composições.

DCM – Na sua opinião, o que o PSOL faria diferente se estivesse no comando de capitais como São Paulo e Rio?

Juliano Medeiros – Infelizmente, ainda não tivemos a oportunidade de governar uma grande capital da região sudeste. Nossa única experiência em capitais foi na prefeitura de Macapá, capital do Amapá. Mas penso que é preciso revolucionar a gestão pública invertendo prioridades e implementando um “choque de democracia”. As mudanças que defendemos – ampliação radical dos investimentos em políticas sociais, combate aos privilégios, gestão democrática e transparente dos recursos públicos – só podem ser implementadas com amplo apoio popular contra as elites que, inevitavelmente, serão prejudicadas por nossos governos. Em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, grandes cidades com forte tradição associativista, podemos experimentar mais facilmente o “jeito PSOL de governar”.

DCM – O PSOL é um partido que defende agendas: é possível conciliar esses compromissos com a responsabilidade da administração?

Juliano Medeiros – Penso que sim. Sou de Porto Alegre, onde o PT nos anos 1990 implementou experiências muito avançadas de gestão pública. Aquelas experiências, como também a experiência em Belém, com o Edmilson Rodrigues, nos inspiram. Claro que o Brasil mudou muito e o PSOL é um partido menor que o PT. Mas acredito que é plenamente possível conciliar coerência com administração democrática, transparente e responsável do Estado.

DCM – Boulos é candidato a alguma coisa em 2020?

Juliano Medeiros – Nesse início de governo Bolsonaro, Boulos se mostrou a mais combativa liderança da esquerda brasileira. Tem lutado pela unidade, dialogado com a juventude, buscado compor uma ampla frente contra a reforma da Previdência. Por ora, ele está concentrado exclusivamente nessa luta.

DCM – O Nordeste se consolidou com uma região de eleitores e gestões consideradas do campo progressista: existe algum modelo na região mais sintonizado com os princípios do partido?

Juliano Medeiros – Tenho mais simpatia por algumas experiências que por outras. Por exemplo, não entendo como é possível que, depois de tudo o que aconteceu, ainda existam governadores que convivam numa boa com a direita, com gente que patrocinou o golpe contra Dilma, ou mesmo com gente do governo Bolsonaro. Tenho muitas críticas a quem relativiza esse tipo de coisa. Também não respeito quem trata trabalhador como inimigo, que pensa que todo servidor é privilegiado ou quem não pune exemplarmente crimes cometidos pela PM. Gente assim atrapalha a esquerda.