Quando a primeira reportagem sobre a Lista de Furnas foi publicada, em 6 de setembro do ano passado, o processo do mensalão de Minas Gerais e os casos de corrupção na estatal Furnas eram exemplos de impunidade.
Antes que a série terminasse, três meses depois, Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB, estava condenado, em primeira instância, a 22 anos de prisão, num processo que trata de desvio de dinheiro público ocorrido em 1998 – há mais de dezessete anos, portanto.
Na semana passada, respondendo a uma consulta que fiz no dia 22 de dezembro, a Procuradoria Geral da República informou que a corrupção Furnas está sendo apurada por um grupo de procuradores do gabinete do procurador geral Rodrigo Janot.
Nada garante que Azeredo venha a passar um dia na cadeia sequer, tantos são os recursos de que ele ainda dispõe – ao contrário do mensalão de Brasília, o do PT, o mensalão do PSDB foi despachado do Supremo Tribunal Federal para a primeira instância.
Nada garante também que a apuração da Procuradoria Geral da República resulte em incômodo concreto para o principal protagonista da Lista de Furnas, o senador Aécio Neves.
Até hoje, apesar de citado na investigação sobre a Lava Jato, Aécio e seus apadrinhados, como o ex-governador Antônio Anastasia, também citado, tiveram todas as suspeitas sobre eles arquivadas.
Nada garante a mudança efetiva do quadro de impunidade, porém não deixa de ser uma grande novidade o fato de que os olhos da Justiça comecem a se voltar também para os políticos que hoje estão na confortável posição de acusadores, embora o passivo de indícios de corrupção contra eles seja grande.
A série sobre Furnas teve como ponto de partida a lista que o ex-diretor da estatal Dimas Toledo escreveu para pressionar políticos a mantê-lo no cargo na gestão do presidente Lula, o que acabou acontecendo durante os três primeiros anos do governo petista.
Na Lista de Furnas, estão os nomes de 156 políticos que receberam dinheiro para a campanha de 2002. Eram todos da base de sustentação do presidente Fernando Henrique Cardoso. Dois deles confessaram que receberam os valores relacionados.
Também aparecem na lista o nome das empresas que contribuíram com o caixa 2 operado pelo diretor de Furnas, a partir de recursos desviados de contratos superfaturados. Entre as empresas, está a Alstom, fornecedora de equipamentos e serviços para Furnas.
A corrupção em Furnas foi denunciada à Justiça pela procuradora da república Andrea Bayão, mas a investigação estava parada nos escaninhos de uma delegacia da Polícia Civil do Rio de Janeiro, depois que um juiz federal mandou para lá o resultado de quatro anos de investigação da Polícia Federal.
O fato foi revelado com exclusividade pelo DCM e, depois disso, o inquérito voltou a se movimentar, com a intimação do lobista e delator Nílton Monteiro.
A série de reportagens revelou que a Alstom pagou para o ex-procurador de justiça Hélio Bicudo intermediar contratos no Brasil, no caso dele com a Eletropaulo, quando pertencia ao governo de São Paulo.
Hélio Bicudo é um dos advogados que assinam o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A Bauruense, empresa que presta serviços a estatais brasileiras, era pouco conhecida até que, depois de passar alguns dias na cidade de Bauru, eu escrevi o perfil da empresa que teria repassado propina ao senador Aécio Neves e a uma irmã dele.
A série de reportagens escancarou também os porões de um aparato policial de Minas Gerais que colocou na cadeia, com a anuência de promotores e ordem de juízes mineiros, jornalistas e um advogado que denunciaram casos de corrupção envolvendo Aécio Neves, inclusive Furnas.
A Lista de Furnas foi o terceiro projeto de crowdfunding de que eu participei, a convite do DCM.
O primeiro contou a história do helicóptero do senador mineiro Zezé Perrella apreendido pela Polícia Federal com quase meia tonelada de pasta base de cocaína.
Com a série de reportagens, o Robson modelo 66 da família do senador ganhou o nome popular de Helicoca. A história, timidamente noticiada pela mídia corporativa brasileira, ganhou repercussão internacional a partir das publicações do DCM.
Durante a campanha de Aécio à Presidência, um vídeo-reportagem foi retirado da internet, numa fraude contra o youtube, cometida por internautas que usaram identidade falsa.
Mesmo assim, a partir de postagens de leitores que haviam copiado a reportagem, o vídeo continuou circulando, e hoje, somadas todas as postagens, a reportagem já teve quase 1 milhão de acessos, e existe uma versão legendada em inglês.
O caso de sonegação de impostos praticada pela TV Globo na aquisição dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002 é outro mergulho do DCM só tornado possível pelo financiamento dos leitores.
Eu encontrei o processo de sonegação que tinha sido subtraído das dependências da Receita Federal e esteve em poder de uma quadrilha no Rio de Janeiro.
Também estive nas Ilhas Virgens Britânicas e mostrei que a Globo tinha montado de uma empresa de mentirinha, uma offshore de papel, para justificar a compra dos direitos de transmissão da Copa sem o pagamento de impostos.
De lá para cá, aprofundou-se o escândalo de corrupção nas negociações para a compra de direitos de transmissão da Copa. Na série de reportagens, o DCM noticiou que dois executivos da Globo foram interrogados no Brasil a partir de um pedido da justiça suíça.
Mas, por enquanto, até informação em contrário, os acionistas da Globo – Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto, filhos de Roberto Marinho –, podem viajar ao exterior sem o risco de serem presos.
Mas é estranho que só os corruptos, como José Maria Marin, tenham ido para a cadeia, enquanto corruptores no caso dos direitos de transmissão da Copa não sejam sequer mencionados.
A história da sonegação da Globo, ignorada por completo pelas autoridades no Brasil, ainda tem seu epílogo em aberto.
Neste momento, já dei início ao quarto projeto de crowdfunding, depois de passar dez dias no Acre, Estado de dois deputados que renunciaram depois de confessarem em gravação que venderam o voto para aprovar a emenda que permitiu a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, na década de 90.
Já encontramos o começo da história e chegamos ao meio. Definitivamente, não é um caso restrito aos confins do Brasil. O capítulo final desse enredo, entretanto, depende das autoridades brasileiras. Só será escrito quando os compradores de voto no Congresso Nacional responderem por seus crimes.