Do outro lado da crise, favelas ‘se viram’ para suprir ausência do Estado

Atualizado em 25 de abril de 2020 às 12:35

PUBLICADO NA REDE BRASIL ATUAL

Na outra ponta de mais uma crise inaugurada pelo governo de Jair Bolsonaro, com o anúncio da demissão do agora ex-ministro Sergio Moro, nesta sexta-feira (24), cerca de 12 milhões de brasileiros ainda aguardavam a análise para o recebimento da primeira parcela do auxílio emergencial. Enquanto ainda outras 13,6 milhões de pessoas que moram em favelas, de acordo com pesquisa dos institutos Data Favela e Locomotiva, têm de lidar com a pandemia do novo coronavírus sem condições de moradia, higiene ou acesso à água.

Logo na manhã desta sexta, por exemplo, antes da exoneração de Moro ser confirmada, em entrevista à Rádio Brasil Atual, o coordenador nacional do G10 das Favelas – o bloco de líderes e empreendedores de impacto social nas comunidades –, Gilson Rodrigues, lembrou que a ausência histórica do poder público segue em marcha mesmo diante da covid-19, que já levou a óbito 3.313 pessoas.

“Nós precisamos efetivamente de uma política pública que atenda às comunidades e não que a gente fique largado à própria sorte, como está acontecendo”, destacou aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria.

Morador e líder comunitário em Paraisópolis, que abriga aproximadamente 100 mil pessoas na zona sul da cidade de São Paulo, Rodrigues conta que, ante a ameaça da disseminação da doença, a realidade na comunidade, é preocupante. “Não conseguimos seguir as recomendações do Ministério da Saúde para amenizar a situação. A falta de água continua. Concretamente, nós temos um racionamento velado”, descreve.

“Nem vou falar de álcool gel, que é produto de luxo, praticamente. Temos tido muitas dificuldades. Máscaras nós estamos produzindo a partir do projeto Costurando Sonhos. São as nossas máscaras de tecidos que as costureiras da comunidade têm feito”, acrescenta.

Com 22 casos já confirmados na comunidade – até a quinta-feira (23) – e outras dezenas de suspeitos, na falta do Estado os moradores vêm criando alternativas para atenuar os efeitos da crise social. Rodrigues explica que, por meio dos comitês populares de Paraisópolis, foram construídas 10 iniciativas, entre elas a criação do presidente de rua, um morador voluntário que é responsável por monitorar um perímetro de 50 casas.

O comitê conseguiu ainda contratar três ambulâncias e sete profissionais da saúde para atender aos pedidos de socorro da comunidade. Em um mês da ação, já foram quase 250 chamados atendidos relacionados a suspeitas de coronavírus. “Incrivelmente o Samu não vem em Paraisópolis”, afirma o líder comunitário.

Entre as iniciativas, os moradores conseguiram ainda, com apoio da ONG Parceiros da Educação e da secretaria estadual de Educação, transformar duas escolas da região em abrigos para os moradores que testarem positivo para a doença e residirem com outras pessoas do grupo de risco.

Nesta semana, por exemplo, também foi feita uma higienização de todas as ruas de Paraisópolis com auxílio de drones, tratores e também com trabalho manual. “Nós conseguimos fazer essa iniciativa, mas quem deveria fazer isso era o governo, que nem sequer ultimamente tem dito a palavra ‘favela’. É como se a gente não existisse”, crítica Rodrigues.

“A gente continua com um discurso do álcool gel, do home office, da quarentena, que é impossível de cumprir nas favelas”, acrescenta, chamando atenção para outro problema: a descrença da população na gravidade da pandemia, em função dos discursos de Bolsonaro para acabar com a quarentena. “Infelizmente, o comportamento dele tem influenciado e, de alguma forma, ele é responsável por tudo de ruim que pode acontecer com essa população e no Brasil”, finaliza.