Na fila de espera de transplantes do SUS, Fausto Silva é um cidadão comum, sem nada do poder que angariou como celebridade de TV.
Uma espera por um coração com 386 pessoas no Brasil todo. Uma fila em que poder e dinheiro não têm valor e onde um detalhe é decisivo para que os órgãos de alguém com morte cerebral sejam doados e transplantados.
O detalhe, além da fantástica estrutura do SUS, do talento dos servidores da saúde, do desejo de alguém que se declara doador em vida, esse detalhe é a empatia com os que estão em sofrimento.
Uma doação só se concretiza com a autorização dos familiares de quem morreu. Só acontece se a família estiver convicta de que tomará a decisão certa.
Um coração somente sairá do peito de alguém que já se foi, para ser transplantado para o peito de Faustão, se a comunicação entre as equipes de saúde e a família forem satisfatórias. Se houver empatia.
É a primeira e decisiva etapa para que o transplante aconteça: obter da família, em algum momento, logo depois da morte cerebral, o consentimento da doação. Num momento que exige calma e pressa.
O consentimento é um gesto de dor, grandeza e solidariedade que nem sempre acontece, não por causa dos familiares, mas por abordagens incorretas.
Aprendi sobre esse detalhe com o médico Joel Andrade, coordenador da Central de Transplantes de Santa Catarina, que esteve esse ano em Porto Alegre.
O médico deu palestra na Fundação Ecarta, do Sindicato dos Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), que desenvolve o Cultura Doadora, programa de sensibilização que envolve profissionais da saúde, professores, estudantes, entidades comunitárias, municípios, imprensa.
Transcrevo o que Andrade disse sobre a interação dos profissionais com as famílias das pessoas que não têm mais chance de viver:
“O fim da entrevista familiar é um resultado binário: vai ou não para a doação. O que faz o resultado desse processo ser positivo ou não, o que faz o insucesso em alguma região e o sucesso em outra é o controle e a eficácia em cada etapa desse processo, notadamente na entrevista familiar. Quanto mais treinada, mais experiente, mais bem estruturada for a equipe de coordenação de transplantes, melhor a família será tratada, e melhor ela será acolhida, mais comunicação empática ela receberá, portanto, o resultado tende a ser positivo. Quando isso é ruim e a percepção da família é que eventualmente o tratamento é quase que comercial, a família recua e diz não. Aí entra a questão da nomenclatura. Quando você diz “negativa familiar”, você pega um processo inteiro e bota a culpa num elemento, que é a família. Mas muitas vezes, a família é vítima desse processo, além de toda a circunstância negativa envolvida na perda de um familiar”.
Está aí a síntese sobre o poder da comunicação feita com cuidado e respeito, na hora e no tom certos.
O SUS tem um sistema integrado, equipes com talento e treinamento, o desejo expresso em vida do doador e tudo o que, sob o ponto de vista técnico, faz a estrutura de transplantes funcionar.
Mas Andrade e seus colegas descobriram que, sem se dedicar à família do doador, quase nada acontece. Por isso Santa Catarina tem os mais altos índices de doações e transplantes do Brasil.
Olhem esse dado. Há 18 anos, ao final das entrevistas para consentimento da doação em Santa Catarina, 70% das famílias consultadas diziam não. Hoje, apenas 27% não concordam em doar os órgãos do familiar que morreu.
Quanto maior for a humanização nas UTIs e seu entorno e quanto mais solidariedade houver com as famílias, mais doações, é a lição do médico catarinense.
Quem quiser saber mais sobre cultura doadora, deve procurar a Ecarta e conhecer o trabalho de gente que se dedica cotidianamente a ajudar a salvar vidas.
Aprendo sempre com o professor Marcos Fuhr, presidente da fundação, e as jornalistas Glaci Borges, da área de comunicação, e Valéria Ochôa, editora do jornal Extra Classe, do Sinpro.
Faustão terá um coração novo e seu caso será inspirador das ações permanentes de todos os envolvidos com doação de órgãos e transplantes. O novo coração de Faustão irá salvar muita gente.
Publicado originalmente em Blog do Moisés Mendes