Ao pedir ao corregedor Conselho Nacional do Ministério Público que investigue os promotores que trabalham de acordo com o calendário eleitoral, o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho tocou na ferida que tem contaminado o Ministério Público Federal: a busca quase doentia por holofotes.
“Resta evidente que um promotor não pode deixar de ajuizar uma ação cujos procedimentos preparatórios foram concluídos, por acaso, à época da eleição, mas também não pode reativar um inquérito que dormiu por meses ou praticar atos em atropelo apenas com o objetivo de ganhar os holofotes durante o período eleitoral”, escreveu ele. Íntegra abaixo.
Bandeira de Mello foi indicado pelo Senado para compor o Conselho Nacional do Ministério Público Federal e, em razão disso, é provável que venha ser acusado de agir de acordo com interesses políticos. É assim que promotores e procuradores têm reagido diante de qualquer iniciativa para conter o que pode ser considerado excessos ou abusos da parte de setores do MP.
Ao ter sua conduta questionada, gritam que se está querendo defender corruptos e garantir a impunidade, como se tivessem o monopólio da virtude.
Luiz Fernando é consultor legislativo concursado do Senado e já ocupou cargos importantes tanto no Senado quanto em órgãos do Poder Executivo. Atualmente é secretário-geral da Mesa do Senado.
Não serve a nenhum partido especificamente, o que lhe dá credibilidade para agir.
Com sua representação, não poderá ser acusado de defender A nem B, pois, com sabedoria, relacionou em sua representação quatro casos de repercussão, dois relativos ao PT (Fernando Haddad como alvo) e dois ao PSDB (um tendo Geraldo Alckmin como alvo e outro, Beto Richa).
Mas lembra que existem muitos outros e, certamente, envolvendo todos os partidos.
Eis uma boa oportunidade para as instituições que representam a sociedade começarem a discutir o papel do Ministério Público na democracia.
É lógico que promotores e procuradores têm como papel fundamental acusar aqueles que, de alguma maneira, contrariam o interesse público.
Mas nenhum membro do MP deve agir como se tivesse interesse pessoal em uma causa. Até porque, agindo com interesse pessoal, cometem crime de prevaricação, como está descrito no Código Penal, artigo 319. Não é demais lembrar:
“Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
- Pena: Detenção, de três meses a um ano, e multa.”
O conselheiro Bandeira de Mello não foi tão longe na sua representação. Pelo contrário. Usando da cautela, disse que uma investigação sobre os casos pode até ser benéfica ao MP.
“Estou seguro, senhor Corregedor, que essa verificação da Corregedoria Nacional confirmará minha percepção de que tais procedimentos refletirão a conduta correta, imparcial e não dirigida ao calendário eleitoral dos membros do Ministério Público. Mas entendo que a ausência de uma apuração mínima permitirá que desconfianças maldosas possam fermentar dúvidas quanto à atuação do Ministério Público brasileiro, cuja imagem é nosso dever defender”, disse.
No caso caso de Haddad, os promotores estão propondo ações por fatos supostamente ocorridos em 2012 e 2013. Em relação a Alckmin e Richa, os fatos apontados como suspeitos teriam ocorridos em 2014.
Bandeira de Mello não quer discutir o mérito das ações, de competência exclusiva do Poder Judiciário, mas propos uma verificação de como as ações foram conduzidas.
“Solicito a V.Exa. que a Corregedoria Nacional verifique cada um desses casos, examinando os atos que foram praticados nos procedimentos preparatórios ou inquéritos nos últimos 24 meses para saber se ocorreram atos tendentes a acelerar ou retardar as investigações a fim de produzir tal coincidência temporal e consequente eventual impacto nas eleições.”
Que mal há em fazer esta verificação?
Se o os procuradores e promotores agiram com espírito público, não têm o que temer. Mas, se viram na ação uma oportunidade para aparecer, terão um problema.
Não que venham a ser punidos, mas o resultado de uma investigação desse tipo pode reforçar, por exemplo, os argumentos de quem defende uma mudança na forma como o MP atua.
Desde que um projeto de emenda constitucional foi apresentado no Congresso, nos primeiros anos do século, para estabelecer limites à ação dos promotores e procuradores, eles têm reagido com o discurso de que os políticos e demais “poderosos” querem se proteger e impedir que investiguem.
A Constituição estabelece que a investigação cabe à polícia e, ao Ministério Público, o controle da ação da polícia.
Ouvi de um promotor uma vez que seria injusto impedir o MP de investigar. “Se até um cachorro investiga, quando treinado para detectar droga em aeroportos, por que o MP não poderia investigar?”, questionou.
É verdade.
Mas certamente não é saudável para o ambiente democrático que o mesmo promotor que investiga seja o responsável por propor a ação e atuar no caso, até o final, como se fosse o dono do processo.
Eis aí um bom caminho a trilhar, para propor novas formas de ação do MP.
Outra seria estabelecer regras para as ações de investigação. Por exemplo, um inquérito policial tem regras definidas pelo Código de Processo Penal, mas uma ação civil pública, não.
Inquérito policial tem prazo de 30 dias para ser concluído. Depois disso, é preciso obter autorização do juiz. Já a ação civil pública pode ser prolongar no tempo, a critério do promotor ou procurador.
Em tese, a ação civil pública foi criada para defender o cidadão dos abusos do Estado ou o do poder econômico, mas hoje é usado até contra os interesses do cidadão.
Numa palestra na OAB de São Paulo, o professor de direito Oscar Vilhena contou que aquele caso em que uma mulher foi submetida a ligadura das trompas, em Mococa, interior do Estado, foi resultado de uma ação civil pública.
Como?
O promotor fez uma investigação por conta própria, propôs a ação civil pública e o juiz concedeu liminar, sem que a mulher, acusada de usar drogas e de não ser uma mãe responsável, tivesse direito à defesa. Não teve advogado nem defensor público.
É só um exemplo de como o MP pode, em determinadas situações, agir contra os interesses do cidadão.
Na mesma palestra da OAB em São Paulo, a advogada Luiza Nagib Eluf, que foi procuradora de justiça e e secretária nacional dos direitos da cidadania, defendeu que é preciso criar regras tanto para o inquérito civil quanto para a ação civil pública.
Custos legis, lembrou a procuradora, fazendo uso de uma expressão latina que significa “guardião da lei, fiscal da correta aplicação da lei, verdadeiro defensor da sociedade”.
Este é o princípio deve nortear a atuação do MP.
Nesse conceito, não cabe a um promotor ou procurador agir de acordo com o calendário eleitoral, nem produzir vítimas, sejam políticos ou não.
O MP não tem inimigos a perseguir nem amigos a defender. É o “fiscal da correta aplicação da lei”, e isso vale para outros e para seus integrantes também.