Dois dias após sua entrevista ao Fantástico, em que foi tratada com simpatia protocolar por Poliana Abritta e Maju Coutinho, o Globo critica Janja em editorial.
“Embora seja filiada ao PT desde 1983, não tem histórico de cargos eletivos nem de altos postos no partido. Seu currículo não parece justificar a influência que adquiriu na campanha”, diz o texto.
É um lembrete a mais sobre de que lado está a emissora — obviamente, oposto ao de Lula e do que ele representa. Uma hora a ficha cai, ou deve cair.
Eis a peça:
Foi Rosângela Lula da Silva, a Janja, mulher do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, quem telefonou à senadora Simone Tebet depois do primeiro turno para colocá-la em contato com o marido, de modo a garantir apoio na campanha vitoriosa ao Planalto. “Não tenho nenhum papel de articulação política”, contou Janja em entrevista ao Fantástico. “Pode ter acontecido, mas não que tenha sido uma coisa planejada.” Em comparação com Michele Bolsonaro e cônjuges de outros candidatos, porém, Janja foi bem mais ativa politicamente. Escalou quem entrava em reuniões ou voos com o marido, participou de encontros reservados e nunca deixou de dar sua opinião quando quis. Recentemente, ganhou espaço na transição, com a missão de organizar a festa da posse.
A própria Janja se descreve como “propositiva”, alguém que será “uma soma” ao marido no futuro governo. Na entrevista ao Fantástico, falou em “ressignificar o conteúdo do que é ser primeira-dama” e se disse disposta a assumir um papel de articulação com a sociedade civil em pautas importantes, como violência contra as mulheres, garantia da alimentação ou racismo. Revelou buscar inspiração em nomes como Evita Perón e Michelle Obama.
Cada nova eleição traz de volta a questão antiga, ainda sem solução ideal: o poder concedido aos cônjuges dos candidatos eleitos. A História traz exemplos de quem manteve discrição, sem surfar na onda de popularidade levantada pelos detentores de mandato. Mas também de quem assumiu funções incompatíveis com as atribuições de alguém que não recebeu um só voto.
No primeiro grupo está Denis Thatcher. Nos 11 anos em que sua mulher Margaret esteve no poder no Reino Unido, ele se manteve alheio aos círculos do poder britânico. Ou Joachim Sauer, cujo nome é pouquíssimo conhecido fora da Alemanha — ele é o marido da ex-chanceler Angela Merkel, que governou por 16 anos. No extremo oposto está Hillary Clinton. Quando seu marido Bill assumiu o primeiro mandato nos Estados Unidos, em 1993, ela passou a ter uma sala na Ala Oeste da Casa Branca e foi responsável pelo projeto (fracassado) de mudanças na Saúde. Depois de eleita senadora, Hillary foi derrotada em duas tentativas de chegar à Presidência.
Formada em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná, Janja trabalhou por mais de 10 anos na Itaipu Binacional e por cinco na Eletrobras. Embora seja filiada ao PT desde 1983, não tem histórico de cargos eletivos nem de altos postos no partido. Seu currículo não parece justificar a influência que adquiriu na campanha.
Mulheres ou maridos de chefes do Executivo necessariamente passam por uma adaptação uma vez no poder. A eleição exige mudança de casa ou cidade, paciência com o olhar constante da imprensa, uma agenda infindável de reuniões, eventos e problemas a resolver. Igualmente desafiador é encontrar um papel a cumprir como primeira-dama ou primeiro-cavalheiro. O mais importante é sempre lembrar quem foi eleito para tomar decisões.