Doria fez jornalista ser perseguida ao acusá-la de mentir, mas era tudo verdade

Atualizado em 14 de março de 2018 às 19:19
Imagens feitas por um celular e enviadas para Globo | Foto- Reprodução:TV Globo

Publicado na Ponte

POR MARIA TERESA CRUZ

No dia 19 de julho do ano passado, a repórter Camila Olivo, da rádio CBN, noticiou que moradores de rua na Praça da Sé tinham sido acordados com jatos d’água por equipes de limpeza da prefeitura de São Paulo. Era inverno e os termômetros naquela semana chegaram aos 8º C. Em um primeiro momento, a Prefeitura se limitou a enviar uma nota informando “que tinha distribuído edredons para quem estava em situação de rua”. Pouco tempo depois, o prefeito João Doria (PSDB) veio a público dizer que a repórter tinha mentido, que aquilo que havia sido reportado era uma invenção e questionou a ausência de provas: o registro em vídeo.

Nos dias seguintes, Camila passou a ser perseguida nas redes sociais pelo Movimento Brasil Livre — que naquela época vivia um início de namoro com o tucano Doria. O Sindicato dos Jornalistas, a Abraji e outras entidades saíram em defesa da jornalista. O Jornalivre, site ligado ao movimento, referiu-se à profissional como “jornalista da CBN que mentiu sobre gestão Doria” e inventou que ela era “militante de extrema-esquerda”.

Em outubro do ano passado, em entrevista para o Yahoo, o prefeito de São Paulo voltou a atacar a jornalista e questionou a atitude do diretor executivo da rádio, Ricardo Gandour, que defendeu a repórter. “Eles deveriam ter dito ‘erramos’. Isso me incomodou profundamente e aí eu entrei em um embate com a CBN e questionei: ‘Vocês estão sustentando isso?’ E eles disseram que estavam. E eu questionei se caberia a nós provar que não houve. Eles não tinham o registro em imagem, eles só tinham a palavra de uma repórter que teve tempo de gravar o áudio e não teve tempo de filmar estando presente? Que jornalismo é esse? Eu procurei o Ricardo Gandour, meu amigo. E ele, na defesa sintomática da repórter, não teve humildade e nem capacidade de reconhecer que o fato não existiu. Não houve isso. Isso não é um bom jornalismo. Com os outros dois não houve nada”, disparou Doria.

Nesta terça-feira (13/3),  uma pessoa que passava pela Luz, na região central, conseguiu gravar a prática de lançar jatos d’água em moradores de rua, durante serviço e limpeza, e mandou o vídeo para o SPTV, da Globo.

Em sua página no Facebook, a repórter Camila Olivo fez um desabafo: “Em julho do ano passado, fui acusada de má fé pela prefeitura de São Paulo por supostamente inventar a notícia de que jatos d’água molhavam moradores de rua durante a limpeza da praça da Sé. Fui perseguida em redes sociais, virei notícia em blogs de apoiadores de João Doria. Não fiz um vídeo, de fato, logo era tudo fake news. Pois bem, oito meses depois, não só a prática de limpeza das ruas continua, como alguém se dispôs a filmá-la. Infelizmente. Preferia que a pobre pessoa pudesse estar dormindo em paz, mesmo que numa calçada”.

Em breve conversa com a Ponte, Camila diz que, embora tenha sentido alívio de a verdade ter vindo à tona, embora muito tempo depois, sentiu-se indignada porque a prática continua acontecendo. “Fiquei mesmo foi bem indignada por saber que esse tipo de prática continua sendo feita. Imagina quantas outras pessoas ainda passam por isso sem que ninguém filme”, ponderou. Outros colegas de Camila também postaram mensagens nas redes sociais em apoio a ela.

Sobre o episódio, agora sim devidamente registrado em vídeo, o secretário de Prefeituras Regionais, Cláudio Carvalho, disse à Folha de S. Paulo que a ação foi lamentável e que já identificou o morador de rua —que, segundo ele, não aceitou ser acolhido em equipamentos da prefeitura. Além disso, ainda de acordo com a administração municipal, a empresa contratada, a Inova, foi multada em R$ 1.650. A prefeitura teria pedido a demissão do agente.

Outro lado

Ponte também entrou em contato com a assessoria de imprensa da prefeitura de São Paulo. Por e-mail, enviou as seguintes perguntas:

No ano passado, o Doria acusou uma repórter de mentir e usar de má-fé ao reportar que a administração municipal usava jatos d’água para acordar moradores de rua na Sé. A prática continua acontecendo e foi gravada em vídeo. O  que o prefeito tem a dizer agora?

Por que a prática continua acontecendo?

Afinal, quem mentiu: o prefeito ou a repórter?