Duas cenas ocorridas em estádios de futebol neste último domingo.
Cena 1:
Nos Estados Unidos, após duas matanças (mais duas) cometidas por motivação de ódio puro e simples, o jogador Alejandro Bedoya, do Philadelphia Union, pegou o microfone que fica à beira do gramado e mandou o recado:
“Congresso, faça alguma coisa AGORA. Acabe com a violência através de armas.”
Os massacres em El Paso e Dayton tiveram como alvo preferencial latinos e negros e foram possíveis graças à facilidade de se possuir uma arma em solo americano.
A Major League Soccer já informou que não irá punir o jogador.
Cena 2:
No Brasil, o torcedor Rogério Lemes Coelho estava na “Arena Corinthians” (o Itaquerão gourmetizado) e, assim como o jogador do Philadelphia Union ou qualquer outro ser pensante e corajoso diante de regimes e governantes que solapam democracias instaurando clima de terror, emitiu seu protesto.
“Hey Bolsonaro, vai tomar no cu”, gritou ele.
Rogério foi detido, algemado e tirado da arquibancada. Segundo seu relato, foi também agredido. Jogado ao chão, mata-leão, luxação em uma das mãos. Pacote completo.
O Corinthians, o time do povo, o time que tem o politizado Sócrates entre seus ícones, emitiu uma nota em repúdio ao ocorrido (ver a íntegra abaixo).
E o governador? E a Secretaria de Segurança Pública? A Polícia Militar é subordinada a esses dois agentes.
O posicionamento da SSP-SP sobre o caso é aviltante. Diz a nota:
“Todas as polícias de São Paulo são instrumentos do Estado Democrático de Direito e não pautam suas ações por orientações políticas (…) No caso em questão, a conduta foi adotada para preservar a integridade física do torcedor, que proferia palavras contra o presidente da República, o que causou animosidade com outros torcedores, com potencial de gerar tumulto e violência generalizada”.
Num Estado democrático de direito a livre expressão é garantida pela Constituição Federal. Os soldados que atuaram nesse abuso estavam obedecendo a quem? A SSP e o governador precisam explicar melhor já que a nota oficial vai do nada ao lugar nenhum.
É preciso também esclarecer o seguinte: para a SSP nem houve prisão, mas “a condução dele por policiais militares ao posto do Juizado Especial Criminal, instalado dentro da Arena Corinthians, onde foi registrado boletim de ocorrência não criminal”.
O que Rogério fez de errado para ser levado para lá? Nada. O Coletivo Democracia Corintiana informou que está prestando todo apoio ao torcedor, inclusive jurídico.
Repetindo: o direito à livre expressão é garantido pela Constituição Federal. Se exagerar na dose, pode acontecer de ter que responder por calúnia ou difamação, por exemplo.
“Ele não deveria ter sido detido. Quem deveria questioná-lo é quem teria sido ofendido. Nesse caso, o presidente, por meio da Advocacia Geral da União”, declarou Mônica Sapucaia Machado em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
A professora de Escola de Direito do Brasil e doutora em Direito Político e Econômico afirmou ainda estar preocupada com o “escalonamento desse comportamento estatal” e relembrou quando Dilma Roussef, então presidente, recebeu o mesmo “vai tomar no cu” e ninguém foi preso por isso.
O torcedor foi detido, agredido e afirma estar sentindo-se humilhado. Dentro do estádio do Corinthians, eu também estaria. É vergonhoso para o clube esse episódio.
A diretoria precisava se pronunciar com urgência e assim o fez. Necessita, entretanto, cobrar um posicionamento do governador.
Gostaria também de ver algum jogador vir à público em solidariedade ao torcedor, mas não me iludo. Já não se fazem Sócrates como antigamente por aqui. Já alguns atletas americanos (como Megan Rapinoe do futebol feminino) têm dado exemplo ao marcarem posição contra o desumano Donald Trump.
Nota oficial do Corinthians
“A Arena e o Sport Club Corinthians Paulista vêm a público repudiar o episódio que resultou na detenção do torcedor Rogério Lemes Coelho durante o jogo ocorrido no último domingo (04) contra o Palmeiras na Arena Corinthians, após sua manifestação contra o Presidente da República. O clube historicamente reitera seu compromisso com a democracia e a defesa do direito constitucional de livre manifestação, desde que observados os princípios da civilidade e da não violência. A agremiação lembra que diferentes autoridades, entre elas o presidente do clube, já foram alvo de manifestações da torcida durante os mais variados eventos esportivos realizados no local e o episódio caracteriza-se como um grave atentado às liberdades individuais no Estado Democrático de Direito.”