Dr. Bumbum é um fenômeno tragicômico muito típico da geração Y, a começar pelo codinome-metapiada. Doutor sem doutorado, pela “relevância social” da classe, e Bumbum porque esta era, digamos, sua especialidade, e não porque, como talvez possa parecer, ele fosse um bundão.
Não era.
Denis Furtado atendia em uma cobertura no Leblon e cobrava até vinte mil reais por procedimentos estéticos que prometem te deixar o mais próximo possível de uma blogueira fitness. O resultado, entretanto, é um pouco diferente do prometido: a última que fez um desses procedimentos no açougue do Dr. Bumbum não está mais aqui pra contar a história. Segundo o boletim médico da vítima, ela chegou ao local com falta de ar, taquicardia e pele azulada. Deve ser um péssimo jeito de morrer.
Dr. Bumbum atendia fora de clínicas e hospitais por razões óbvias: o que aplicava na bunda das clientes era polimetilmetacrilato, um tipo de acrílico utilizado em preenchimentos faciais e corporais, rigidamente controlado pela ANVISA e contra-indicado por muitos médicos renomados pela irreversibilidade de seus efeitos colaterais, e o desconhecimento das possíveis consequências do uso do material em quantidade inadequada. Isso significa basicamente que se você usar microesferas plásticas demais para preencher partes do seu corpo que você acha que deveriam ser preenchidas, seu organismo pode rejeitar o acrílico e você pode morrer.
Mas Dr. Bumbum não ligava pra esse detalhe: “é a bunda de Andressa Urach que você quer? São vinte mil pilas.” Há os misóginos, e há os misóginos exploradores do lucro que a misoginia rende, que são o pior tipo de misógino. Dr. Bumbum sem dúvida está no segundo grupo. Ganhava dinheiro para explorar a submissão de mulheres a um padrão estético cruel pelo qual são bombardeadas diariamente, nas revistas, na TV e agora no Instagram, o antro dos corpos perfeitos e das bundas perfeitas.
Afinal, de onde vem essa obsessão? A bunda da mulher latina, a bunda da mulher brasileira, a bunda que aparece nas propagandas de cerveja, e de chinelos, e de margarina, e do que quer que seja, ou numa banheira nas tardes de domingo dos anos 90, a bunda que torna uma mulher mais gostosa e portanto mais desejável pelos homens.
No Brasil é a bunda. Nos EUA são os peitos. Em algumas partes da Índia, o pescoço. Tanto faz, o patriarcado sempre se apropria de partes nossas – e eventualmente também do todo – para que continuemos escravas de padrões estéticos assassinos e torturantes, mas que agradem ao vouyerismo masculino, que é a única coisa que importa de verdade.
A isso algumas feministas têm chamado isso de “performar feminilidade”.
Ainda não conseguimos evitar o mau hábito de tentar agradar a esse voyeurismo, porque a autoimagem da mulher desta geração ainda está distorcida demais. Nossa autoestima ainda está atrelada ao que agrada ao nosso espectador – e cada vez mais, na verdade, na era das redes sociais.
Devagar, talvez nos livremos nas próximas décadas do salto alto, do sutiã de bojo, das cintas modeladoras, dos microchoques que destroem a gordura na nossa barriga em clínicas estéticas, e dessa obsessão tão insana por uma bunda perfeita que tem levado mulheres a se submeterem a procedimentos estéticos inseguros onde um médico picareta põe plástico líquido em seus corpos em um quarto de hotel.
Meu desprezo por esse tipo de intervenção não é uma questão de repressão à liberdade individual: O corpo é meu, eu faço o que eu quiser com ele, mas isso não significa que eu precise pagar para que insiram esferas plásticas na minha bunda só pra provar que sou dona de mim. Não é o tipo de rebeldia que me parece vantajosa.
O mercado dos procedimentos estéticos de risco, entretanto, decerto ainda dura muito, porque são muitos os picaretas do corpo perfeito nos quartos de hotel por aí, e são muitas as Pugliesis e Misses Bumbum no Instagram, mas, por ora, deu ruim pro Dr. Bumbum:
Fala com Gilmar, doutor com doutorado especialista em livrar a cara de médicos misóginos.