Publicado originalmente na Ponte:
Por Luciana Faustine
Neste domingo (29/11), a população de São Paulo escolherá na votação de 2º turno o próximo prefeito da cidade. Apesar de ser uma eleição municipal, e, portanto, não envolver o comando das polícias, a questão da segurança pública ainda é importante para os eleitores: segundo pesquisa do Ibope realizada em setembro deste ano, o tema está entre os três mais importantes para um terço (33%) dos munícipes.
Atual prefeito da capital paulista e candidato a reeleição, Bruno Covas (PSDB) propõe em seu programa de governo o aumento do efetivo da Guarda Civil Metropolitana, com a contratação de 1.000 novos guardas para atuarem na “prevenção de crimes”, a substituição de luminárias públicas e apoio à saúde mental dos guardas civis.
Do outro lado da disputa, Guilherme Boulos (PSOL), prioriza em seu programa a ampliação do Programa Patrulha Guardiã Maria da Penha, para vítimas de violência doméstica, a todas as regiões da cidade, construção de bases comunitárias da GCM em locais periféricos e garantir a presença desses agentes em parques públicos e unidades de saúde.
Para o cientista em humanidades Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no campo municipal a segurança pública precisa estar ligada a outras áreas de gestão. “O papel dos municípios é justamente trabalhar em prevenção, essa coisa de ter políticas integradas, saúde, educação e segurança pública é essencial, tentar dar um novo foco para a atuação da guarda civil”, explica.
O tenente-coronel da reserva da PM paulista e doutor em psicologia Adilson Paes de Souza tem uma visão semelhante: “As especificidades e as diferenças que cada ser humano tem precisam ser consideradas nos projetos”.
A partir desse ponto de vista, ambos concordam que o plano do candidato psolista é mais adequado aos desafios da capital paulista hoje. “Boulos fala em segurança de diversas perspectivas, não somente no trecho de segurança pública”, afirma Dennis, enquanto Adilson aponta que “a visão de segurança do programa do Boulos é mais ampla, mais atual, mais correta de segurança, e não somente na questão de ostensividade”. Para o tenente-coronel, o programa “pensa em pessoas em situação de rua, dependentes químicos, tudo isso tem a ver com segurança, são propostas amplas e multidisciplinares”. Em contraste, Adilson analisa que “Covas focou muito na parte de equipamento, drones, aumento de efetivos” e define: “são propostas padrão”.
Já o coronel da reserva da PM e consultor em segurança pública José Vicente da Silva Filho acredita que Bruno Covas é a melhor opção. Vicente explica que em uma cidade como São Paulo não é possível desprezar medidas que já veem sendo feitas para querer construir algo do zero.
“Ele tem experiência, já sabe o que funciona e o que não funciona. Sem conhecer a realidade, sem considerar a experiência acumulada é perder tempo de fazer melhoria. O Covas sabe o que funciona”, explica Vicente.
Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, que no primeiro turno da campanha eleitoral elaborou a Agenda São Paulo Mais Segura: por uma cidade que protege todos, uma análise das propostas de segurança apresentadas pelos quatro principais candidatos naquele pleito, a socióloga e advogada Carolina Ricardo ressalta que Guilherme Boulos “fala mais de governança do que os outros candidatos”. Ela explica que ele se propõe a criar programas de prevenção à violência e ao crime descentralizado, “tem um olhar para a governança que no programa do Covas não encontramos nada específico”, explica.
Atuação da GCM
No programa de Bruno Covas, a proposta para a GCM é priorizar a saúde mental dos profissionais e a atuação deles na proteção do patrimônio público, espaços públicos, apoio à Polícia Militar e segurança de grandes eventos. Covas ainda promete aumentar o efetivo da GCM com a contratação de 1.000 novos guardas, efetuar a integração de 4.240 câmeras de monitoramento urbano e aumentar o número de drones.
Na proposta de Boulos, a atuação da GCM é abordada em duas frentes: de um lado os profissionais receberão apoio psicológico através da criação de um programa de saúde e bem-estar. Do outro lado, o plano de governo propõe uma atuação preventiva e comunitária, com foco nas minorias.
O texto ressalta a importância do respeito à população, em especial às pessoas pobres, negras, trans e travestis, com ênfase na luta antirracista, observando os limites de abordagem da GCM e impedindo a propagação de mecanismos de repressão e genocídio. Fala em contratar mais guardas, mas sem especificar quantos.
Pacheco e Adilson elogiam a abrangência do plano de Guilherme Boulos ao incluir as minorias na atuação da Guarda Metropolitana, assim como a necessidade de uma abordagem humanizada. O tenente-coronel acredita que a questão vai além de aumentar o efetivo da GCM. “Nas gestões anteriores e atual tem faltado tratar o guarda municipal como guarda municipal e não como polícia militarizada local. A estética da Guarda Municipal é a estética das polícias militares. E faltou transparência, não temos transparência, faltou política para valorização e para cuidar da saúde psicológica das guardas municipais”, diz.
Por sua vez, o coronel José Vicente não enxerga a GCM como uma guarda militarizada. Ele explica que militarização é o que ocorre em cidades como o Rio de Janeiro, na qual há presença de batalhões nos morros. “Eu não vejo isso na GCM”.
Para ele, é preciso se atentar ao fato de que o papel da GCM é ajudar na ordem pública, podendo atuar em situações específicas, como prender uma pessoas que seja flagrada cometendo um crime, mas que em situações comuns não há essa incumbência, estando a Guarda impedida de solicitar documentos ou fiscalizar veículos, por exemplo.
Já Carolina Ricardo ressalta que as propostas apresentadas pelos candidatos para o aumento do efetivo da GCM demonstram a necessidade desse aumento e que a cidade, de fato, tem essa demanda. No entanto, ressalta que o plano de Bruno Covas é um pouco mais enxuto que o plano apresentado por Guilherme Boulos e destaca o olhar do candidato psolista para a questão das minorias.
“Tem um olhar de mediação de conflitos, que é importante. Pode até se complementar ao papel da Policia Militar, mas tem uma questão de mediação de conflitos importante Ele traz um olhar para a questão de minorias, na questão racial e de gênero. Não é fácil, é um desafio, mas a polícia, todas elas, precisam trazer esse olhar”, pontua Carolina.
Políticas de prevenção à violência e dependência química
Um dos pontos abordados por Guilherme Boulos é o aperfeiçoamento do programa De Braços Abertos, implementado pela gestão de Fernando Haddad (PT) entre 2013 e 2016, mas desmontado por João Doria (PSDB), que comandou a cidade entre 2017 e 2018.
O plano apresentado por Boulos pretende ampliar essas políticas de redução de danos para áreas periféricas, que, segundo o texto, possuem alta incidência de uso abusivo de drogas.
No plano de Bruno Covas a questão referente às drogas e à violência é abordada através da proposta de viabilização de apoio psicológico para os guardas que atuam nas cenas de uso de drogas, requalificação da Academia de Formação em Segurança Urbana e criação do primeiro curso técnico municipal em segurança urbana.
Dennis Pacheco analisa que o papel dos municípios é justamente trabalhar com prevenção e ressalta a importância de ter uma pactuação em relação ao papel do Guarda Municipal, na atividade e forma de abordagem, visto que “a GCM tem um papel preventivo, não repressivo”.
Na mesma linha, Adilson Paes de Souza reafirma a necessidade de pensar na saúde e em pessoas com problemas de vícios em drogas. Para ele, é preciso focar em “políticas de redução de danos, com locais para que as pessoas consumam drogas de forma segura, evitando que eles peguem e disseminem doenças, de acordo com as boas práticas existentes no mundo”.
“Isso tem a ver com segurança, está lidando com seres humanos. Não deixar esses cidadãos desamparados e a mercê de gangues e máfias”, explica Adilson.
A retomada do programa De Braços Aberto, proposta por Boulos, é “uma ação importante” e que “vale a pena o investimento”, segundo Carolina Ricardo. Ela acredita também que é de grande relevância falar sobre o uso abusivo de álcool, “pois ele gera outras violências”. Já em relação ao candidato Bruno Covas, Carolina classifica como propostas mais genéricas.
O coronel José Vicente vê o combate às drogas como um trabalho de articulação de diversos órgãos, de entidades estaduais e municipais. Ele acredita que esse é um trabalho que o município não tem estrutura para resolver sozinho e que a resposta não será dada em uma única gestão, pois se trata de um processo, no qual apenas 1/3 dos esforços seriam oriundos de atividades policiais.
“Para todas as pessoas envolvidas com drogas é necessário um pacote de ações que não tem como fugir da articulação. Não há resposta de uma gestão, duas ou três. A questão da segurança o papel da Prefeitura é muito pequeno, a policia vem fazendo o seu trabalho, mas isso pode ser aperfeiçoado com uma integração da prefeitura”, ressalta.
Gestão urbana
Outras propostas apresentadas por Guilherme Boulos mencionam a melhoria da iluminação dos espaços públicos, a realização de uma reforma urbana que permita a ocupação desses espaços, a descentralização do espaço urbano e a criação de políticas de transporte público para regiões periféricas.
Em seu programa, Bruno Covas afirma que pretende substituir todas as 600 mil luminárias da cidade por modelos de LED.
Coronel Adilson vê essas medidas como necessárias, pois, segundo ele, a política habitacional precisa ser pensada considerando segurança, espaço de convivência, iluminação e mobilidade. “São questões como essas que impedem a degradação do ambiente e, consequentemente, a marginalização do local e das pessoas”, explica.
Dennis ressalta a importância de pensar na zeladoria urbana como um serviço que impacta a segurança pública, focando em segurança pública a partir de grupos minoritários, evitando que os espaços fiquem abandonados e se tornem inóspitos, a exemplo da região da Luz, no centro da cidade. Para ele a falta de cuidado com esse espaço acaba por atrair pessoas em vulnerabilidade, “que posteriormente passam a ser combatidas como criminosas”.
Vicente concorda e defende que locais bem cuidados são capazes de evitar a propagação de crimes. Segundo ele, a ordem pública é fator importante para a contenção da violência, pois inibe qualquer comportamento desordeiro que o indivíduo possa ter, “pois a desordem pública lidera o comportamento das pessoas”.
“Onde há lixo, há infração, onde há infração, há crimes. Quando tem greve da polícia, por saber que a polícia não chegará, tudo se torna uma desordem total”, exemplifica.
Violência contra a mulher
Ambos os candidatos se posicionam favoráveis à ampliação do programa Guardiã Maria da Penha, que integra a GCM com a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, oferecendo acompanhamento para as vítimas de violência doméstica.
Bruno Covas pretende ampliar tanto o Maria da Penha quanto o programa Tempo de Despertar, voltado para a reeducação de agressores. Guilherme Boulos propõe ampliação do Maria da Penha e ainda a criação de abrigos para atendimento a pessoas em situação de violência doméstica e exploração sexual.
Nesse ponto, Carolina elogia as medidas apresentadas pelos candidatos, destacando a proposta de ampliar vagas em creches. Carolina ressalta que a possibilidade de colocar o filho na creche é um fator importante para o combate à violência, “pois para a mulher se fortalecer ela precisa gerar renda, e para ela gerar renda ela precisa colocar o filho dela na creche”.
A diretora-executiva do Sou da Paz destaca as propostas específicas para o combate à violência contra mulher, apresentados pelos dois candidatos, que se propõem a criar espaços centralizados. “É um olhar importante ter um lugar que centralize o atendimento para essa mulher”, conclui.
Adilson lembra que há um aspecto importante que pode fazer diferença não só no combate à violência de gênero no município. “Se eu fosse o prefeito, eu nomearia como secretária municipal de segurança urbana uma mulher, eu inovaria. Eu acho que uma mulher pode trazer uma sensibilidade diferente para o trato da questão. Nós temos que inovar”, sugere.