Duvivier: “Dá pra fazer humor, mas já não sei se dá pra manter o bom humor”

Atualizado em 10 de dezembro de 2017 às 14:06
Duvivier

Publicado no Jornal Extra Classe

POR MARCELO MENNA BARRETO

Gregório Duvivier acaba de lançar Poema-Piada – Breve Antologia da Poesia Engraçada (Editora Ubu, 64 páginas, R$ 39,90), organizada por ele com poemas de 27 poetas brasileiros: Alice Ruiz, Alice Sant’Anna, André Dahmer, Angélica Freitas, Bith, Bruna Beber, Bruno Brum, Cacaso, Chacal, Eduardo Kac, Eudoro Augusto, Francisco Alvim, Geraldo Carneiro, Glauco Mattoso, Gregório de Matos, Hilda Hilst, José Paulo Paes, Juó Bananére, Leila Míccolis, Mano Melo, Mario Quintana, Millôr Fernandes, Oswald de Andrade, Paulo Leminski, Pedro Rocha, Vinicius de Moraes, Zuca Sardan. De Duvivier, o livro traz três poemas: Poéticos como os vaga-lumesEngraçados como os vira-latas e Insólitos como a fruta-pão.

O lançamento do Poema-Piada ocorreu no último dia 5 de dezembro, no Al Janiah, restaurante do bairro paulistano do Bixiga, que contrata refugiados do mundo inteiro. Sobre a definição do local ele diz: “Toda escolha é política”.

Mas, o que é um poema-piada, afinal de contas? Ele responde: “Tem poesia que nem conversa com o humor: do alto da torre de marfim, olha pro humor todo esfarrapado e finge que não vê. Tem humor que não quer saber de poesia: atropela a ingenuidade do poeta lírico com o trator do cinismo. Às vezes acontece da poesia e o humor se esbarrarem por aí e terem uma noite inesquecível. No Brasil, aconteceu tantas vezes que os dois gêneros se casaram – se é que se pode chamar de casamento uma união tão bem-sucedida. O matrimônio foi celebrado com um hífen, nascendo assim o ‘poema-piada’.”

Duvivier é ator, humorista, roteirista e escritor. Atuou em vários programas de televisão e peças teatrais, mas ficou mais conhecido pelo sucesso do canal do youtube Porta dos Fundos nas redes sociais e, agora, com o programa Greg News na HBO, que já tem programada a sua segunda temporada. Graduado em Letras, em 2008, pela PUCRJ, entre suas paixões está a literatura e, em especial, a poesia. Nesse gênero, seu livro A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora (7 Letras, 2008) foi elogiado, nada mais nada menos, por mestres como Millôr Fernandes e Ferreira Gullar.

Bem ao gosto do humorista, esse bate papo com o Extra Classe foi da literatura ao humor. Aliás, o humor, para ele, tem sido cada vez mais uma ferramenta de reflexão, tanto para a direita quanto para a esquerda. E comemora: “É sinal de que o humor está sendo levado a sério”. Gregório ainda afirma que o Brasil foi tão para a direita que a Rede Globo “parada” foi jogada para a esquerda. Enfim, como diria o organizador do Poema-Piada, vale a pena conferir.

Extra Classe – Você declarou esses dias que é uma péssima maneira introduzir a literatura nas escolas através de José de Alencar ou os romances históricos, que foram típicos do Romantismo brasileiro. Pode explicar melhor essa sua tese (risos)?
Gregório Duvivier – Não acho que chega a ser uma tese não. Essa coisa do José de Alencar é só uma experiência pessoal mesmo. A leitura do Alencar eu acho penosa para o leitor de hoje em dia. Não só pelo tom, claro, não só pela sintaxe dele, claro, mas pela atualidade do tema. É um romantismo que acho que não cabe hoje em dia; chega a ser escravagista em alguns momentos, não é? Dialoga muito pouco com mundo do jovem de hoje. Então, não acho que tem que ser deixado de lado, mas eu acho que é uma leitura que tem que ser feita mais tarde, com um senso crítico e tal. É diferente de Machado de Assis. Por exemplo, Memórias Póstumas de Brás Cubas (Nota da Redação: livro lançado em 1881) é um romance que parece contemporâneo, que não envelheceu. Eu brinco que o José de Alencar é responsável pela falta de leitura no Brasil. Mas – destaco – que é uma brincadeira.

EC – Eu ia falar exatamente de Machado de Assis (risos), considerado o maior escritor brasileiro e um dos maiores da língua portuguesa. Então, graças a Deus, para você ele se salva?
Duvivier – O Machado é totalmente diferente. O Machado tem muito humor. E acho que isto faz muita diferença: o humor. E não só o do Memórias Póstumas, que é um romance que eu falei que parece contemporâneo. Não é à toa que é um dos romances preferidos do Woody Allen. O Dom Casmurro (Nota do Editor: publicado em 1899), que também é muito atual, tem uma história aberta a mil interpretações, uma dúvida que paira o romance inteiro. Então, eu acho que é muito tentador mesmo para o jovem ler o Machado. O problema não é a época para mim, mas o autor.

EC – Estou brincando com você (risos). Mas, realmente, estudar gêneros literários chamados de, por exemplo, Mal do Século, com escritores morrendo de tuberculose é algo bem mórbido não?
Duvivier – Eu acho que o mal do século continua atual; tem hoje em dia o Emo aí, como chamam. O Emo é um poeta romântico atualizado.

EC – Você diz que quando criança achava que todos os poetas falavam um pouco como o Temer. Cá entre nós, isto não é uma sacanagem com os bons poetas românticos, parnasianos e simbolistas?
Duvivier – É! Claro. Essa provocação do Temer aí foi só uma brincadeira. Tadinho do Bilac (Nota da Redação: Olavo Bilac 1865-1918). Era um poeta legítimo, ao contrário do Temer (risos). Sérgio Rodrigues tem um bom artigo sobre isto. Ele chama o Temer de presidente mesóclise. Assim como a mesóclise, ele é um enxerto. Achei muito, muito bom isto do Sérgio Rodrigues (risos).

EC – O que te motivou a lançar essa coletânea que você chama de Poesia Engraçada?
Duvivier – Eu acho que a poesia traz para perto. A poesia engraçada nessa categoria, assim, é uma piada. Enfim, é o que eu talvez mais goste na nossa literatura brasileira; o que mais me interessou para escrever. Eu adoro esses cruzamentos dessas retas paralelas como eu falo na introdução, no prefácio. O humor, às vezes, é visto como algo reles, a poesia como algo distante demais do leitor… e esse encontro do mundano com o eterno, do ralo com o profundo, esse lugar pra mim é onde tem as coisas mais preciosas da vida mesmo. O Brasil produziu pérolas maravilhosas com os nossos poetas mais canônicos que são também cômicos, como Vinicius, Drummond, Quintana, Millôr…

EC – Na sua breve antologia, eu percebi que o maior número de poemas é do Millôr Fernandes. Além de muitos outros, tem, Vinícius de Morais, Carlos Drumond e Mário Quintana também, que apesar de mal-humorado pessoalmente, tinha sacadas bem engraçadas como o “eles passarão, eu passarinho”. Na sua opinião, qual seria o maior representante da categoria Poesia Engraçada?
Duvivier – O Millôr talvez tenha sido aquele que fez o humor mais poético ou a poesia mais engraçada, como está apresentada no livro em termos de números. O Millôr era realmente sui generis. Na minha opinião, ninguém escrevia tão engraçado como ele no Brasil. Era um sujeito que cada frase era impecável. O estilo dele era, assim… você não tira uma vírgula do Millôr. Tudo está a serviço da perfeição.

EC – Agora, mudando de assunto, como manter o bom humor com a realidade que estamos passando no Brasil?
Duvivier – Olha… manter o bom humor eu acho muito difícil, mas o humor é muito importante. Essa diferença acho que é importante a gente manter. Dá (risos) pra fazer humor; já não sei se dá pra manter o bom humor.

EC – Você afirmou recentemente que a piada vive um momento forte no Brasil e se tornou um espaço de contestação. Agora, não vou citar nomes, mas você tem uns coleguinhas bem “reaças” por aí, fãs de carteirinha do Olavo de Carvalho. Não te choca isto?
Duvivier – O humor tem sido cada vez mais uma ferramenta de reflexão. Mas dos dois lados. Não só na esquerda, na direita também. Tem tido discussões políticas interessantes do ponto de vista do humor da direita e isto é sinal de que o humor está sendo levado a sério; tem humorista de direita, humorista de esquerda. Isto é melhor do que ter humorista apolítico ou humorista irrelevante. Assim, é legal que o humor esteja falando de política. Não importa a tendência política do humorista. É importante que a gente tenha humor nos dois lados. Antigamente a direita era muito sisuda, não tinha humor nenhum. E hoje ela tá percebendo que se não tiver humor não tem espaço na discussão política. É um passo importante pra eles assim…. não que eu ache graça, porque eu confesso que eu não acho muita graça não (risos) no humor pouco empático. O problema desse humor, enfim, que pode se chamar reacionário ou o que for é que ele é pouco empático mesmo; ele é pouco humano as vezes e isso eu não acho muita graça, mas tem o seu público e também não acho que seja muito fácil de fazer não. Eu mesmo acho que eu não conseguiria (risos).

EC – Você falou que antigamente a direita era sisuda, sem humor. E Nelson Rodrigues? Está certo que ele era um dramaturgo, mas que ele era bem engraçado era, não?
Duvivier – Realmente o Nelson é um ótimo exemplo de reacionário com humor. Mas nada tem a ver com a nossa direita tradicional, inclusive criticou muito os militares, sobretudo quando o filho foi preso. Ele era uma direita que não era direita (risos). Inclusive ele era mais libertário do que qualquer coisa. Então, as pessoas, às vezes, confundem e acham que ele era um cara muito conservador porque, claro, ele mesmo se dizia “o reacionário” (risos). Apesar disso, todas as peças do sujeito que tinha essa bandeira, essa roupagem, são um grito de liberdade contra o conservadorismo. É um sujeito que sempre fala contra o preconceito e a estupidez. O Beijo no Asfalto é uma ode ao amor e tem peças como a Perdoe-me por me traíres que é uma ode ao amor livre, inclusive ao poliamor, muito antes dessa palavra existir. Então ele era suposto reacionário; gostava de se dizer reacionário, mas, na prática, ele era um revolucionário.

EC – O Greg News (programa de Gregório que estreou no canal pago HBO em 2017) está indo para a sua segunda temporada. É impressionante o número de views que eu tenho percebido no Facebook. Geralmente, passam facilmente do milhão e meio, com críticas muito engraçadas e fortes ao reacionarismo brasileiro. Mesmo assim, recentemente o professor de ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), João Ferez Junior, diz que o programa, apesar de ser um alento, sofre uma “certa captura” que ele chamaria de “coxismo de esquerda”. Você é um “coxinha” Gregório Duvivier? (risos)
Duvivier – Ah, é!!! Teve essa crítica do Cafezinho, né? Eu confesso que eu fico feliz de receber críticas também do campo da esquerda. Porque o programa, se não recebesse nenhuma crítica da esquerda, significaria que ele tá muito alinhado demais a nossa esquerda e eu não acho que isto seja bom porque eu acho que o humor, em geral, é contra. Um bom programa recebe críticas da direita e da esquerda (risos). A gente recebeu muitas críticas quando falou mal do Maduro; a gente criticou o regime da Venezuela e criticando isso, desagrada muita gente na esquerda brasileira. E eu acho que a gente vai continuar desagradando. Vem uma nova temporada aí e, acho, que vamos continuar recebendo críticas da esquerda. Tomara! Senão parece que o programa está a serviço de uma agenda. A gente não está a serviço de agenda da esquerda ou direita nenhuma não. Agora, “coxismo de esquerda”… eu nem sei o que querem dizer com isto. Mas, eu confesso que eu odeio a palavra coxinha. Eu estando (risos) à esquerda normalmente eu ouço muito os meus amigos dizendo “ah, mas os coxinhas”… Eu não entendo a origem; já tentaram me explicar a origem, mas eu não gosto, eu odeio essa palavra. Eu acho ela redutora pro outro campo. Então, assim eu acho imbecil o uso dela em qualquer situação, sabe? Ela não enxerga o outro e acho que eu nunca usei para falar da direita, dos reacionários. E se estão usando agora para falar da esquerda também eu acho que é só a ampliação da estupidez mesmo.

EC – Entre outras coisas, o professor ressalta que não vê uma crítica sua à mídia brasileira. Concorda?
Duvivier – Se eu não me engano ele acha que eu deveria criticar mais a Globo, não é? Eu acho que é isto. Bom, eu acho sinceramente que dos muitos inimigos que hoje a liberdade e a democracia têm, a Globo está muito longe de ser um deles, tanto é que o MBL considera a Globo comunista e o Marco Feliciano considera a Globo abortista. Hoje em dia, com a bússola, o Brasil foi tão para a direita, tão para a direita que a Rede Globo parada – não acho que ela tenha ido para a esquerda – foi jogada para a esquerda pela nossa direita. Então, eu acho que está muito longe dela ser o inimigo número um da liberdade e da democracia no Brasil. Já foi, talvez, e hoje em dia certamente não é mais. Acho uma pena que só porque a gente tenha feito uma crítica à esquerda – porque essa crítica toda veio depois que a gente falou mal de um programa do governo Lula, o Fies, um problema gerado pelo Fies, ele passou a não gostar mais do programa porque não concordava com a “agenda petista” ou sei lá o quê. Acho uma pena que só por causa disto ele tenha começado a dizer “é a Globo“, subentendido que a gente fosse vendido pra Globo, sendo que é um programa da HBO (o Greg News), um canal americano que não tem nenhuma ligação com a Globo. Eu mesmo não tenho nenhuma ligação com a Globo e se a gente não falou mal da Globo é porque a gente achou que tem coisa mais importante e engraçadas pra se falar no Brasil hoje.

EC – Você é um cara com uma boa projeção e o interessante que escolheste para publicar o teu livro em uma editora independente. Mais do que isto, ainda fez o lançamento em um restaurante gerenciado por refugiados. Pode me falar um pouco sobre essas escolhas?
Duvivier – Eu sou muito fã da Ubu. Eu acho que elas estão mandando muito bem na editora. Eu já era fã quando as meninas trabalhavam na Cosac Naify e agora mais ainda. Eu gosto muito dessas editoras independentes e a Ubu está se destacando, com livros lindos. Os projetos da Elaine Ramos, que faz a programação visual são – nossa – obras-primas, como o que elas fizeram agora dos Sertões. A Florencia Ferrari (ex-diretora da Cosac Naify) que está lá também tem escolhido títulos muito bons. E sobre Al Janiah para o lançamento, que também foi escolha delas, eu digo que toda a escolha é uma escolha política. Inclusive o fato de se estar fazendo uma antologia de poesia agora, que parece uma coisa despropositada à política. Mas, não tem nada mais político do que falar de poesia hoje. Mesmo que não seja uma poesia obviamente política, não é? Porque tudo é político. Eu acho que se você escolher ser um poeta lírico hoje em dia é uma escolha política. Você escrever em versos clássicos ou sonetos é uma escolha política. Não existe nada fora da política. A saída é pela política. Então, claro, o bar que a gente escolhe para fazer o lançamento é uma escolha política.