O general e senador Hamilton Mourão já disse que poderia até tomar um chope com Flávio Dino, mas não aprovaria no Senado o nome do ministro para a vaga ao Supremo.
Parece uma tirada do século 20, quando políticos medianos soltavam frases com a pretensão de fazer graça e imitar os espirituosos, mas é apenas o que é. Uma frase para atiçar os contrários à indicação de Dino, agora uma escolha oficial de Lula.
Sobre o que Dino e Mourão poderiam conversar tomando chope e comendo bolinho de bacalhau? Dino é formado em Direito. É mestre em Direito Constitucional. Foi juiz federal e governador do Maranhão exerce agora o cargo de ministro da Justiça de Lula.
Tem habilitação acadêmica, trajetória e talento para levar adiante a justa ambição de ser ministro do Supremo. Em performances públicas, é a mais brilhante figura do primeiro escalão do governo.
Mourão é general da reserva e chegou ao topo da carreira por ser um oficial de exceção. Mas não teve nada a apresentar como encarregado por Bolsonaro, na condição de vice-presidente, para que cuidasse da Amazônia.
Quando sugeriu que beberia um chope com Dino, no início de novembro em entrevista à Folha, o general disse o seguinte:
“Eu fui durante quatro anos membro do alto comando do Exército, onde a gente vota para promover os oficiais a general. Votei em gente que eu jamais sentaria para tomar um chope; e deixei de votar em gente que eu tomaria chope e bateria papo a noite inteira. O Dino eu posso convidar para tomar um chope, mas não voto nele (para o Supremo)”.
A base militar do raciocínio de Mourão o leva a refletir com a ajuda de exemplos e analogias. Bolsonaro também faz assim.
Por isso a referência é quase sempre a caserna. Na linha de que não beberia chope com oficiais habilitados a subir na carreira, mas beberia com subordinados sem condições de chegar a altas patentes.
É o exemplo da cabeça de quem viveu em quartéis. É compreensível, mas é uma comparação fora do lugar. O general era o superior diante de oficiais em busca de promoção. E dele dependia, apenas como exercício mental, a decisão de beber um chope ou promover o subalterno.
Deve ter sido sempre assim na carreira de Mourão, ou ele não teria usado a comparação com oficiais em busca de ascensão. É como funcionam comando, hierarquia e poder de decisão dentro da instituição que deve existir como existem os seguros, para que de preferência não seja usada.
Pois a indicação de Flávio Dino depende, além da idade mínima de 35 anos, de duas, apenas duas condições a serem consideradas pelos senadores, para que a escolha de Lula seja avaliada com isenção: que ele consiga provar seu saber jurídico e sua reputação ilibada.
Vamos repetir essa informação com a íntegra do artigo 101, da seção II, do Supremo Tribunal Federal, dentro da Constituição:
“Artigo 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”.
Claro que não há uma linha sobre chope. Assim como não há nada sobre chope ou bolo de bacalhau em quaisquer outras escolhas nas quais devem prevalecer a transparência dos atos públicos envolvendo pessoas em funções públicas.
Nem o fracassado Fernando Diniz, já ex-técnico da Seleção, seria capaz de dizer que escolheu esse ou aquele jogador, com o qual não beberia chope, porque assim funcionam seus critérios de escolha.
Esta é a condição, senador Hamilton Mourão, para que Dino seja ministro do STF: provar que conhece o que estudou e que tem uma vida limpa.
Flávio Dino formou-se em Direito e exerceu e ainda exerce o Direito de forma substantiva, na prática, na condição de advogado, professor, juiz e agora ministro da Justiça.
Dino pode provar que atuou profissionalmente em atividades para as quais foi formado. Dino cortou lenha e pôs os pés no barro do Direito. É o que importa em qualquer lida na vida. Saber fazer e fazer.
Outras exigências para a aprovação do seu nome são da subjetividade da política de quem pode aceitar no Supremo um advogado com saber jurídico e terríveis convicções evangélicas como pode rejeitar um juiz com histórico inatacável e cumplicidade absoluta com a democracia e as liberdades.
Flávio Dino não precisa convencer um militar da reserva de que não está num quartel, não é um tenente, não busca estrelas no ombro e no momento não está interessado em tomar chope com um general. Dino e Mourão só precisam conversar sobre a indicação ao STF.
O senador Mourão deveria incorporar em definitivo a condição de político, com cadeira na mesma casa para a qual Dino foi eleito.
Mourão pode esquecer no parlamento seu tempo de general e afastar-se da família que esteve quatro anos no poder e sempre tentou tratá-lo apenas como recruta obediente do bolsonarismo.
Pense como congressista, como homem da República já sem farda, senador Hamilton Mourão. Esqueça o chope e pense, quem sabe, num cafezinho.
Publicado originalmente em Blog do Moisés Mendes
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