Sergio Moro e Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução
Por Moisés Mendes
O jornalismo, em especial o dito investigativo e das superestruturas da grande imprensa, deve há muito tempo uma abordagem definitiva sobre os crimes e as deformações do sistema de Justiça no Brasil.
É a hora de pagar essa dívida com uma autópsia do lavajatismo já morto, mas ainda não completamente desvendado.
Uma investigação não só do núcleo da operação Lava-Jato, mas de todo o entorno, até as instâncias superiores por onde passaram e foram acolhidas as deliberações de Curitiba.
Há informações dispersas, algumas tentativas de abordagem de questões pontuais e denúncias soltas como faíscas.
Mas não há nada que desvende o funcionamento estruturado de grupos organizados no sistema de Justiça brasileiro, da proteção pontual ou sistemática a poderosos, da venda de sentenças e das relações visíveis e invisíveis entre famílias, amigos, sócios e similares.
Sergio Moro e Deltan Dallagnol, quase transformados em estátuas como paladinos da moralidade, poderiam contribuir para que o jornalismo aprofundasse investigações nessa área e juntasse as peças de uma colcha cheia de retalhos.
Moro e Dallaghnol não seriam fontes ou informantes. Seriam os objetos do desvendamento. O jornalismo poderia iniciar por eles a abordagem que nunca fez em profundidade sobre a face oculta, suspeita e delituosa do sistema de Justiça.
Os dois agora têm mandatos. São tão certos de suas imunidades que Moro sugeriu esses dias, em cena filmada propagada pela internet, que poderia “comprar um habeas corpus de Gilmar Mendes”.
Alguns dias antes, Mendes havia cobrado publicamente esclarecimentos sobre a fundação de R$ 2,5 bilhões quase criada por Dallagnol. O ministro odiado pela lavajatismo vende habeas corpus?
E Moro e Dallagnol se omitiam ou participavam da venda de delações premiadas em Curitiba, como denuncia Tacla Duran?
O que mais devemos saber sobre as relações de Moro com o desembargador Marcelo Malucelli, do TRF4, que mandou prender Duran e depois disse que não era bem assim? O filho do desembargador é sócio de Moro e namorado da filha do ex-juiz.
O que nunca ficamos sabendo da contratação de Moro para o time de Bolsonaro, logo depois do encarceramento de Lula, que possa acrescentar luz a obras como A outra história da Lava-Jato, de Paulo Moreira Leite?
Quem pode nos contar, lá na origem, por que Moro e Dallagnol foram escolhidos para chefiar a Lava-Jato, não por serem os mais brilhantes, mas os mais aptos a fazer o serviço que deveria ser feito? E fizeram.
Eles eram os aptos a levar adiante a caçada a Lula e a destruição das grandes empreiteiras nacionais. Deveriam fazer o serviço conforme a encomenda. Tudo dentro do sistema de Justiça.
Moro e Dallagnol conhecem o funcionamento do sistema, como servidores privilegiados de uma vara só deles em Curitiba. Desfrutavam do direito a tarefas e missões exclusivas que lhes renderam fama e votos.
O próprio Dallagnol foi investigado em mais de uma dúzia de inquéritos (quem sabe ao certo quantos são?) no Conselho Nacional do Ministério Público. Sofreu apenas advertências.
O Conselho Nacional de Justiça abriu 55 inquéritos contra Moro e levou até o fim 34. Todos foram engavetados.
Há hoje pelo menos 20 juízes bolsonaristas sob investigação do mesmo CNJ por terem pregado o golpe ou disseminado fake news.
Todos os dias há denúncias semelhantes às que envolvem Moro com o desembargador do TRF4.
O Judiciário tem laços de família, de amizade, de negócios e de interesses diversos, quase sempre encobertos, que só aparecem ao acaso, como esse de Marcelo Malucelli.
Moro e Dallagnol levam invertidas de parlamentares das esquerdas sempre que fazem alguma manifestação no Congresso. Mas só peitar os dois e criar constrangimentos não resolve.
É preciso criar muito mais do que o incômodo da investigação da denúncia de Tacla Duran no Supremo.
O anunciado livro de Emílio Odebrecht, Uma Guerra contra o Brasil, em que o empreiteiro mostra como a Lava-Jato focou na quebra das grandes empresas nacionais, pode ajudar.
Sabemos dos podres da política, das empresas, do futebol e de alguns dos pastores milagrosos que têm Deus acima de tudo, mas sentimos o cheiro e pouco sabemos da podridão da Justiça.
Publicado originalmente em Blog do Moisés Mendes