É hora de dizer não ao ódio. Por Milton Blay

Atualizado em 22 de fevereiro de 2023 às 16:26
Arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes. Foto: Reprodução

Por Milton Blay

Pela ótica do judaísmo, as pessoas que observam, silenciosas e indiferentes, enquanto a vida de outra está em risco, se identificam com Caim, o assassino que perguntou a Deus: “Sou eu o responsável por meu irmão?” (Genesis4:9). De fato, a lei “Não ficarás em silêncio enquanto o sangue do teu irmão é derramado” parece vir como resposta à pergunta de Caim: “Sim”, a Torá nos diz, “você é o responsável por seu irmão e sua irmã.” (página 155 do “Livro dos VALORES JUDAICOS, um guia diário para uma vida ética”, do Rabino Joseph Telushkin, com prefácio do Rabino Michel Schlesinger, onde se lê:

“Independentemente de religião, etnia, gênero ou orientação sexual, somos sistematicamente convocados pela tradição judaica a cuidar do ser humano e participar da construção de sociedades responsáveis e justas”.
Estas duas passagens do livro citado, nos leva diretamente a um princípio judaico que me parece esquecido nos tempos em que vivemos: Tikkun Olam, que significa, literalmente, “consertar o mundo”. Como tudo no judaísmo tem 5.000 interpretações diferentes, a que prefiro considera Tikkun Olam como “o compromisso que o judeu e a judia têm com o mundo, além de sua família e de sua comunidade.”

Seja qual for a tradução que se escolha, ela se aplica a Henry Sobel (1944-2019), rabino cuja trajetória representou um compromisso permanente, muito além da comunidade judaica, com os direitos humanos no Brasil.

O que diriam Sobel, Dom Paulo Evaristo Arns, sobre a situação que vivemos? Provavelmente (eu não sou o seu porta-voz), diriam que devemos nos engajar porque somos todos, judeus e não judeus, e até ateus, responsáveis pelos nossos irmãos e irmãs.

Nestes últimos anos muitos observaram, totalmente silenciosos e indiferentes, a perda de seres humanos, de vidas, na maioria inocentes, ceifadas em ataques (prefiro falar em ataques ao invés de operações) da polícia militar e das milícias em comunidades. Matar indiscriminadamente pobres, ambientalistas, indígenas, pretos, ganhou aval oficial dessa gente travestida em Caim. Enquanto dormíamos em berço nem um pouco esplêndido, o coronavírus, aliado ao negacionismo e à anticiência matou quase 700 mil. Meses depois, com os mortos enterrados, parece que os esquecemos.

A LEI, o Estado de Direito, os direitos humanos foram jogados no lixão, na vala comum de tantos assassinatos. Enquanto famintos morrem sem direito a uma sopa de ossos.

Hoje estamos em uma encruzilhada: adotar Tikkun Olam ou abrir de maneira escancarada a porta do Inferno dantesco. Com um, porém, nesta nossa Divina Comédia a possibilidade de ascender ao menos ao Purgatório não existe. Nunca, desde que me conheço por gente – e lá se vão mais de 70 anos, houve tanto ódio, ao ponto de não conseguirmos sequer conversar com pessoas que até ontem amávamos.

O grito corajoso de Dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida, para que os brasileiros votem no próximo dia 30 contra o ódio e a mentira é digno de aplausos. Resgatar o humanismo e construir, como escreveu o rabino Michel, “sociedades responsáveis e justas” é um dever moral e religioso, ao qual rabinos e rabinas, imãs, pastores e pastoras, padres e freiras, pais e mães de santo, monges e monjas, lideranças comunitárias, todos nós, que nos reconhecemos como seres humanos, temos obrigação de aderir, não para apoiar um ou outro candidato, mas, em nome de valores, gritar com Dom Orlando.

Infelizmente, com exceção daqueles pseudo-religiosos que aderem ao ódio, que ganham fortunas em dízimos roubados de seus fiéis, o silêncio é ensurdecedor.

Quem não falar agora ficará para sempre com a pecha de cúmplices do que de pior possa advir, e o pior não será pouco.

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