Publicado originalmente no Facebook do autor
Um dispositivo constitucional exime entidades religiosas de pagamentos de impostos. Rapidamente regulamentado, ao contrário de várias outras partes da Carta de 1988, ele tem sido ampliado por sucessivas emendas, sem falar na anistia para dívidas das igrejas.
Agora, a proposta é isentá-las do pagamento também de impostos indiretos, como ICMS ou IPI. Tudo teria um valor normal, para (quase) todo mundo, e outro, reduzido, para os religiosos.
A isenção de impostos é um de muitos privilégios de que as igrejas desfrutam. Sacerdotes podem oferecer curas milagrosas que, anunciadas por outras pessoas, constituiriam charlatanismo. O discurso de ódio deixa de ser punido quando se traveste de liberdade de púlpito. Uma empresa que vetasse o acesso das mulheres aos cargos de chefia seria punida pela prática discriminatória, mas isso não afeta a Igreja Católica. Drogas alucinógenas são reprimidas, exceto quando fazem parte de algum culto. O barulho da celebração pode incomodar vizinhos tanto quanto o de um bar, mas em geral a rádio-patrulha não aparece mandando fazer silêncio.
O argumento é que o Estado reconhece o valor das práticas religiosas. Mas isso fere o entendimento, padrão no liberalismo contemporâneo, de que o Estado deve ser neutro em relação às diversas concepções do bem. Quem guia sua vida por princípios religiosos ganha respeito maior do que quem não o faz. O indivíduo que se droga por determinação de uma hierarquia religiosa pode. Quem o faz por uma busca mística pessoal, por uma ideia hippie laica de expansão da consciência ou por hedonismo, não. Mas se o Estado é neutro em relação às concepções de bem, uma filosofia laica, o hedonismo ou uma religião devem valer a mesma coisa.
No caso da cobrança de impostos, ainda há um agravante: sabidamente, muitas igrejas servem, no Brasil, ao enriquecimento de seus líderes, que não se furtam a lançar mão de esquemas ilícitos. Dada a força política que têm, existe uma chantagem permanente sobre o poder público e qualquer fiscalização é obstruída.
Lula já se declarou, corretamente, contra a isenção. Agora, enfrenta a pressão da bancada religiosa no Congresso. É importante que a sociedade civil manifeste sua contariedade, em nome da moralidade pública e da laicidade do Estado.
Participe de nosso grupo no WhatsApp, clique neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link