Por Denise Assis
De tudo o que a agudeza da crise política trouxe à cena – não bastasse a vergonha além muro protagonizada por Bolsonaro, em sua declaração explícita de pavor da derrota -, o mais triste a que estamos assistindo é a (necessária???) reaproximação do Partido dos Trabalhadores com o semi-ex-presidente, Michel.
Trazer de volta à ribalta esse personagem abjeto, traiçoeiro por convicção e “maneiroso” no pior sentido do termo é puxar para perto a desfaçatez e o cinismo. É trazer de volta os profissionais de gabinete, os “da boquinha”, como Moreira Franco, que já desamarrotou o terno, lustrou os sapatos de bico fino e, prontamente, se colocou em reunião com mais seis parlamentares pemedebistas, para subir no estribo do “bonde da história”.
Moreira era um dos sete que, sentindo os novos ares que se anunciam, acorreram ao escritório de Michel para se infiltrarem novamente em um dos camarotes de um novo possível governo. Há uma regra futebolística que reza: “quem pede recebe, quem se desloca tem preferência”.
Provavelmente Michel, Moreira e sua turma não praticam mais nem jogo de botões, mas conhecem o princípio e já se deslocaram. Em nome do quê? Da pátria? Não. Da prática. A de estar sempre onde o poder está.
Em consequência, hoje já vimos na mídia Michel tentando dar meia-sola na irremediavelmente manchada biografia. Negando o inegável. Há que se abrir frente para a vitória de Lula, pois o monstro é como o daqueles filmes de aventura, que estrebucham, mas quando menos se espera ele dá um rugido e parte para um novo bote.
Porém, espera-se que se trace no chão uma linha para a decência, um espaço para o luto, para uma reserva técnica de dignidade. Esquecer o passado, pois o futuro é nebuloso, mas há imagens que são nítidas. Michel não é Alkimin. Michel não é Renan Calheiros.
Michel é a aliança com o grupo de militares golpistas, que feito o serviço sujo lhe passaram simbolicamente o bastão de comando das tropas, num gesto que não dá para apagar.
Com o seu habitual tom lamuriento, lá está ele a repetir demagogicamente: “eu não participei de golpe nenhum”. E para deixar patente a hipócrita afirmação, vai buscar argumentos na Constituição – que, diga-se, ele conhece bem, e por isto mesmo não deveria falseá-la. “Não houve golpe. O que houve foi cumprimento da Constituição Federal”. (…) “Para mim”, Dilma “é honestíssima. Primeiro ponto. Agora, houve problemas políticos. Ela teve dificuldades de relacionamento com o Congresso Nacional…”
Ele sabe que não há na Carta Magna uma linha sequer no artigo da Lei 1079/50, que aponte como motivo para o impeachment, “dificuldades de relacionamento com o Congresso Nacional”, bem como tem conhecimento de que impeachment sem crime de responsabilidade – que Dilma não cometeu -, é golpe.
Michel disse, ainda, que se entocou em São Paulo, naquele período, para evitar ser acusado de conspiração. Mentira. Todos o vimos conspirando em um seminário em Lisboa, onde lançou o seu projeto pessoal, “Ponte para o Futuro”, ao lado de Fernando Henrique e outros.
Para derrubar de vez o seu argumento, foi um dos seus aliados, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, quem declarou em entrevista ao jornal O Dia: “Adoro o Michel, mas não estou achando legal a postura dele nessa questão. Sinceramente, esse trabalho do Moreira Franco e do Eliseu Padilha (conspiratório) não ajuda em nada o país. Vice é para ter atribuições, para ajudar na governabilidade. Não é para conspirar”. Precisa mais?
Sim. Precisa. Na época do impeachment, Dilma sabia que o seu vice se movimentava, e não era em sua direção. O presidente da Câmara Eduardo Cunha o avisou em primeira mão de sua decisão de aceitar o pedido para dar andamento ao processo.
“Dilma sabia que uma parcela significativa do PMDB discutia com setores do governo e da oposição sobre o dia seguinte à sua queda. Sabia que Temer recebera, em sua residência oficial, sete senadores da oposição para discutir o rito de afastamento”. O trecho consta do livro “À Sombra do Poder”, de Rodrigo Almeida, um dos assessores de imprensa da presidente.
Não por acaso, eram sete naquele dia. Foram sete anteontem, em reunião com Michel. Número cabalístico, acreditam, alguns. Independente das superstições, a aproximação do MDB agora – mudaram até de nome para limpar a sujeira da própria imagem conspiratória – provoca arrepios.
Não apenas por serem capazes do que são, mas pelo tamanho de suas biografias. Como disse acima, o monstro do fascismo precisa ser derrotado. Apregoa-se (e é do jogo político ultrapassar as diferenças), mas volto aqui, a citar Nelson Mandela: “perdoem, mas não esqueçam”.
É indigesto ver Michel levar para a lavanderia a própria biografia, num ataque repugnante de covardia e não aceitação dos próprios atos.
(Texto originalmente publicado em ( Jornalistas pela Democracia)