Corremos o risco de passar a chamar tudo de fascismo.
Li hoje num blog um artigo bastante agressivo com as “vadias” que quebraram imagens de santos durante a passagem do papa pelo Brasil. O autor, que se diz ateu, acha que o ato foi “nazi-fascista”, entre outras coisas. Lembrei de discussões sobre o assunto com amigos logo que a notícia saiu, e de outros artigos que li. Inclusive aqui no DCM. E acho que tenho um ponto a acrescentar na discussão.
Minha proposta é trocar a imagem sagrada, que torna a discussão muito acalorada, por algo menos problemático: uma guitarra.
Imagine que nós vamos ter um grande festival de música no Brasil. Um festival público cujo custo é alto, e um grupo de vadias não apenas está desinteressada na música – esse grupo não gosta da mensagem dos músicos e além disso quer questionar o quanto a União está gastando no evento.
Elas pegam algumas guitarras, símbolo maior do festival e vão para o local onde está acontecendo. Lá, elas quebram os instrumentos, dançam com os pedacinhos, colocam fogo, enfiam pedaços no rabo. Enfim, não importa. A guitarra é delas, elas fazem o que bem entendem. É uma manifestação.
Não me parece um absurdo.
Imagine outro símbolo, dentro de um contexto que vai ser mais fácil ainda: uma bola de futebol numa copa do mundo. Vai haver o evento no Brasil e as vadias estão chateadas, desta vez, com ele. Usam bolas de futebol pra expressar o descontentamento. Vão à porta do estádio e rasgam, estouram, comem seus pedacinhos. É mais uma manifestação.
Não me parece o fim do mundo.
Agora vamos voltar ao que aconteceu no Rio de Janeiro. As vadias pegaram um símbolo, imagens de santos, e fizeram basicamente o mesmo que nossas vadias imaginárias com as guitarras e as bolas. Para elas, esses símbolos não significam nada. É uma pequena estátua. Poderia ser uma guitarra ou uma bola de futebol.
É fascismo? Para mim, não. Porque elas não estão com isso impedindo ninguém de exercer a própria fé. O que estão fazendo é um ponto em relação à sua própria crença. “Isto não representa nada pra mim”, é a mensagem clara. “Logo, o que eles dizem sobre aborto, tampouco representa”. As vadias não impuseram que o mesmo fosse feito ou dito pelas outras pessoas. Não impuseram sequer que as pessoas olhassem: foi tudo feito durante a própria Marcha das Vadias. Ali no meio, só havia participantes da marcha.
Se é indelicado, ou mesmo ofensivo, já é outra questão. Claro que pode ser visto assim. As imagens são fortes. Não me ofende, mas entendo que ofenda outros. Meus avós, católicos fervorosos, não teriam gostado. Todos os quatro, os que estão aqui e os que já não estão. Mas nem sempre a gente está aqui para agradar os avós. Em algumas ocasiões, é importante questionar. As vezes é isso que permite que a gente se ame pro resto da vida.
“Mas precisa?”, alguém vai perguntar. Eu acho que não precisa. Mas não tenho certeza. Pode ser que sim. Não sei. Eu entendo as vadias. Não estou dizendo que concordo. Minhas preocupações e motivações são muito diferentes. Mas entendo.
Não estou dizendo, de forma nenhuma, que elas têm que ser isentas de críticas. Pelo contrário. Apenas que os críticos devem ter cuidado para não se tornarem piores que as criticadas. Às vezes muito piores, como foi o tal blog, que disse que as meninas são “nazi-fascistas”, “merdas”, “vândalas”, “escória fundamentalista que já devia ter sido banida do planeta há muito tempo”. Se o cara quer banir um grupo da terra, para mim é claro onde o fascismo está.