Originalmente publicado em JORNAL GNN
Por Luís Nassif
Há sinais de que a decisão do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) contra a Globo seja perseguição política da parte do governo Bolsonaro.
O assunto está sendo tratado com parcimônia pela mídia – para não expor a Globo. Mas quem leu o parecer do CADE identificou parcialidade.
O caso se refere ao Bônus de Veiculação, uma das maiores práticas de abuso de poder econômico na economia brasileira. Por ele, a Globo devolvia para as agências de publicidade parte das verbas recebidas, a título de premiação. Com esse estímulo, em vez de mídia técnica distribuída, as agências optavam por concentrar a publicidade na Globo.
Criaram-se distorções de todas as espécies. Os BVs se tornaram a remuneração maior de muitas agências. Com isso, elas passaram a negociar descontos com os clientes e a depender cada vez mais dos BVs, concentrando ainda mais a publicidade na Globo.
Até aí, tudo certo. O CADE entra no tema, embora com décadas de atraso.
Onde se configuram, então, os abusos.
O primeiro deles foi não incluir outros grupos na prática. Há anos, o Google se tornou o maior captador de publicidade do mercado brasileiro, emulando a prática do BV. Mas não entra no inquérito do CADE.
Além disso, durante o caso Visanet, a Globo correu para legalizar a prática.
Mostrando a enorme manipulação do episódio pela Procuradoria Geral da República, inicialmente a denúncia do “mensalão” tinha como centro o suposto desvio de R$ 75 milhões da Visanet – uma empresa não estatal, com participação acionária do Banco do Brasil. Os recursos eram utilizados na promoção do cartão Visa.
Foi esse episódio que permitiu ao PGR atingir integrantes do governo com a acusação genérica de formação de quadrilha. O abuso de interpretação foi o primeiro sinal que a PGR tinha se politizado. Mas o PT minimizou os sinais.
Era uma informação falsa. Havia relatórios de escritórios privados, e um da Polícia Federal, mostrando que os recursos foram devidamente utilizados – especialmente nos grandes grupos de comunicação, como Globo e Abril, e em eventos. A PGR, então, tentou focar a corrupção nos Bônus de Veiculação, pagos às agências. Segundo a denúncia, teria sido a maneira de transferir recursos às agências de Marcos Valério. Ocorre que, admitindo esse suposto “crime”, o “mensalão” atingiria diretamente seus principais aliados.
Deixou-se de lado, então, essa tentativa de criminalizar o BV e voltou-se à tese original, do falso desvio dos R$ 75 milhões. Havia um relatório do respeitado escritório Pinheiro Neto comprovando o uso correto das verbas publicitárias. E também um laudo da Polícia Federal no mesmo sentido. O relator do STF, Joaquim Barbosa, em decisão absurda, manteve o laudo da PF sob sigilo absoluto. E os advogados do PT inexplicavelmente deixaram de consultar o relatório Pinheiro Neto.
Até hoje, essa falha da defesa é um dos episódios mais obscuros do “mensalão”. Na época, conversei com executivos do BB. De uma maneira geral, os funcionários detestavam Pizolatto – o diretor colocado pelo PT. Mas garantiam que não havia nenhuma possibilidade de desvio de verbas. Para lançar as verbas como despesa, a Visanet teria que comprovar seu uso correto. Para isso foi contratado o Pinheiro Neto, que comprovou a correta utilização das verbas.
No que interessa ao tema de hoje, depois do episódio a Globo tratou de legalizar a prática. Não sei especificamente de que maneira foi tratada essa “legalização”. De qualquer forma, fontes com acesso ao documento do CADE dizem que ele simplesmente ignorou esses movimentos.
Em suma, uma ilegalidade para corrigir um abuso de poder econômico que era para ter sido resolvido há muitas e muitas décadas.