O que Bolsonaro e Bia Kicis estão fazendo é – transparentemente – criar tumulto. Serve para alimentar a lenda de que Bolsonaro é a voz da imensa maioria do povo brasileiro e inimigo nº 1 da velha política, por isso as eleições de 2018 teriam sido fraudadas contra ele.
O fato de que ele ganhou as eleições – e o fato de que a fraude institucional que então ocorreu foi no sentido de beneficiá-lo? Bom, são só fatos. E fatos, como todos sabemos, nada importam para Bolsonaro e sua base.
Mais importante ainda, a agitação sobre o voto impresso serve para lançar uma sombra sobre as eleições do ano que vem, permitindo ao bolsonarismo contestar uma derrota hoje bastante provável, justificar uma tentativa de golpe e trabalhar para inviabilizar o próximo governo.
Justamente por isso, Kicis bate pé que o voto impresso tem que estar 100% implementado antes das eleições, o que mesmo ela sabe que é absolutamente inviável.
Tudo isto é verdade. Assim como é verdade que nunca houve suspeitas sérias de fraude em relação às urnas eletrônicas brasileiras.
E é verdade, sobretudo, que as maiores ameaças à lisura do processo eleitoral vêm de outros lugares: as pressões dos militares, a violência das milícias, a violência de outro tipo das igrejas, a parcialidade e a covardia do Judiciário, a manipulação da informação pela mídia, as redes de fake news, o poder do dinheiro.
Ainda assim, o voto impresso merece atenção.
Lembrando, em primeiro lugar, que voto impresso não é – ao contrário do que às vezes se tenta insinuar – a volta do velho voto manual, ele sim tão propício a fraudes de todo o tipo.
O voto impresso é o voto eletrônico em que a opção do eleitor é registrada em papel, de maneira que ele possa confirmar que está correto. Depois, a cédula em papel é depositada na urna, automaticamente ou pelo próprio eleitor, permitindo eventual aferição do resultado.
São duas, portanto, as vantagens.
A primeira é que dá mais segurança ao processo aos olhos dos próprios eleitores.
A agitação que o bolsonarismo promove tem eficácia porque, de fato, o sistema de votação eletrônica é completamente opaco para o cidadão comum. Nós simplesmente confiamos nos especialistas.
Mas não podemos esquecer: vivemos um período de desconfiança crescente na palavra de especialistas.
Se queremos reconstruir a democracia eleitoral no Brasil, é importante garantir que as pessoas tenham segurança quanto ao funcionamento de seu mecanismo central, que é o processo de escolha dos governantes. Se o voto impresso ajuda nisso, então já tem um ponto positivo.
A segunda vantagem é a possibilidade de recontagem.
Não existe nenhum motivo para acreditar que os mesmos grupos que fazem de tudo para desvirtuar a expressão da vontade eleitoral por outros meios teriam algum pudor de fraudar a contabilização dos votos.
Não tinham esse pudor na época do voto manual – por que teriam agora?
Também não existe nenhum motivo para acreditar que o Tribunal Superior Eleitoral é inexpugnável, imune a erros ou mesmo bem intencionado.
As eleições de 2018 foram presididas primeiro por Fux, depois por Weber – lembram?
Uma vez que, por definição, a discrepância entre a totalização eletrônica e os votos impressos tem que ser igual a zero, a recontagem de uma pequena fração de urnas escolhidas aleatoriamente garantiria a lisura do processo.
A agitação bolsonarista tem sentido golpista. Mas a implantação gradual do voto impresso é uma medida que merece ser considerada com seriedade.