Impossível ler o maior cronista brasileiro sem se apaixonar – pelo autor ou pelo homem
No dia dos 100 anos de Rubem, republicamos o tributo que lhe foi feito pelo jovem discípulo Flávio Kugagawa.
Era uma fria manhã no meio desse outono inusitadamente quente. Eu estava numa pausa no trabalho e fiquei ali, como sempre faço, na beira do morro, olhando o Pacífico, pensando na vida. O céu era todo cinza, e lá longe, no horizonte, algumas falhas naquele manto derramavam um pouco de sol sobre o mar.
No fundo era coisa pouca, quase insignificante: alguns fachos de luz no horizonte não iriam mudar o curso do mundo ou da vida. Mas no entanto despertaram em mim um apreço pelas coisas simples, afinal de contas, é bonito ver sol e nuvens fazendo desenhos de luz no céu.
Rubem Braga é um escritor de que eu gosto demais. Talvez, hoje, ele seja o que eu mais aprecie na literatura brasileira. E quando vi aquele desenho de luz no céu eu pensei no Velho Braga. Para mim, ele é essa pequena porção de sol caindo das nuvens, essa coisa simples, banal até, que embeleza a vida justamente porque faz florescer aquilo que geralmente passa despercebido, mas que quando nos vem à atenção, nos torna mais primitivos, mais sensíveis, mais humanos, digamos asssim. Sejamos claros: ele não me ensina a ser feliz e nem como me livrar das minhas tristezas. Ele me ensina outra coisa, e fazendo isso, talvez, ele faça mais (muito mais): Rubem Braga me estimula a descobrir sentimentos escondidos nos mais simples e corriqueiros fatos da vida, o que certamente enriquece a experiência de se estar vivo. Cá entre nós, isso não é pouca coisa.
Eu descobri Rubem Braga muito tarde na vida (aliás, eu descobri literatura boa muito tarde; penso hoje que sempre fora um mau leitor), eu já contava mais de trinta anos quando o li pela primeira vez. Mas isso é mais um comentário do que um lamento, pois eu sei que aconteceu no momento certo para mim. Eu sei que antes disso eu não teria sensibilidade suficiente conseguir desfrutar o lirismo dele. Foi preciso que eu viesse morar numa cidadezinha na Califórnia para que eu descobrisse a beleza que existe na simplicidade do cotidiano e da vida. Olhando para trás, eu sei que eu precisava ter vivido essa vida para que fosse capaz de me encantar com as crônicas do Braga.
Acho que o mundo anda duro demais, que a vida anda dura demais, que as pessoas andam duras demais. Eu penso nesse mundo pragmático em que vivemos hoje – onde tudo tem que ter uma razão ou ensinar alguma coisa – e eu me dou conta do quanto faz bem a gente se lembrar, mesmo que de vez em quando, que existe uma borboleta amarela voando por aí, que duas meninas vestidas de cores marinhas estão brincando na beira do mar, que uma viúva leva seu pequeno filho à praia, que uma mulher está prestes a navegar, ou mesmo que há joaquinas fazendo olhos azuis…
Rubem Braga completaria 100 anos agora em janeiro (aliás, os mesmos 100 anos que, em 2013, completaria um grande amigo seu, o meu também amado Vinicius de Moraes). Ao Velho Braga, eu deixo aqui meus parabéns nesse centenário que está logo aí na esquina. E por falar em esquina, eu deixo aqui, o desfecho da crônica “A Borboleta Amarela”, do nosso sabiá da crônica:
“… arrastei o desprevinido leitor ao longo de três crônicas, de nariz no ar, atrás de uma borboleta amarela. Cheguei a receber telefonemas; “eu só quero saber o que vai acontecer com essa borboleta”. Havia, no círculo das pessoas íntimas, uma certa expectativa, como se uma borboleta amarela pudesse promover grandes proezas no centro urbano. Pois eu decepciono a todos, eu morro, mas não falto à verdade: minha borboleta amarela sumiu. Ergui-me do banco, olhei o relógio, saí depressa, fui trabalhar, providenciar, telefonar..
Adeus, pequenina borboleta amarela.”