O jurista Pedro Serrano esteve em Brasília e, respondendo a parlamentares bolsonaristas como Abilio Brunini (PL-MT), abordou as acusações de “ativismo judicial” contra o STF e fez uma reflexão sobre a ascensão do fascismo e do nazismo em democracias.
“Por que resolveu-se estabelecer Constituições acima das leis, acima das decisões políticas? Porque foi através da maioria, foi através da democracia, que ascendeu o nazifascismo. Que levou até a Segunda Guerra Mundial matando 40 milhões de pessoas, sendo 11 milhões em campos de concentração. Uma situação nunca antes vista na humanidade”, diz.
“Isso impactou a vida civilizada. Dois países avançados como Alemanha e Itália foram dominados por essa forma nefasta de poder político”.
“O debate sobre decisões judiciais não pode se dar do ponto de vista do poder político. O debate deve se dar do ponto de vista da Justiça, sobre o que a Constituição determina, as relações de legalidade. As críticas devem ser feitas individualmente, com rigor técnico. O Supremo decide por último e há decisões erradas toda semana, mas acho estranho criticar somente essa Corte e não o Tribunal de Justiça de São Paulo, que considera que seviciar um preso só é crime de tortura para obter informação. Deve-se fazer a crítica da crítica”, disse o jurista no Congresso.
Ao DCMTV, Serrano aprofundou algumas questões. Confira os principais trechos.
“Alargar o poder político do STF é um erro histórico”
Alargar de forma tão extensa o poder político do Supremo é um erro histórico. Por conta do STF ter, durpedante um período, auxiliado a defender a democracia de uma força política que ele ajudou a construir com Lava Jato.
Uma força política que ele construiu com as omissões e com as ações em relação à operação Lava Jato. Eles não intervieram no impeachment de Dilma que foi um processo materialmente inconstitucional e grosseiramente inconstitucional.
O Supremo nada fez para impedi-lo desde do caso do Mensalão. O STF fez aquela pantomima para condenar de forma fraudulenta José Dirceu e José Genoíno.
Li os processos e posso afirmar foram fraudulentos tanto quanto os de Lula. Não há diferença substancial entre eles. O Supremo ou se aquietou ou agiu em favor dessa onda. Criou o problema.
Na hora que ele passa a ser atacado, ele passa a se defender. E com isso defende a democracia.
É um grande mérito, mas não é motivo para ministros do Supremo quererem intervir na política. É um pecado mortal querer interferir em nomeações políticas e não é papel dele.
O STF não foi eleito. É o presidente da República quem representa a soberania popular nessas nomeações. Deixa ele nomear deixa, ele fazer. Não se pode fazer pressão, não se ameaça implicitamente.
Com esse tipo de erro, nós não temos que ter compromisso com isso. Não temos que ter compromisso com prisões preventivas mantidas indevidamente, mantidas de forma abusiva. Nós não podemos permitir isso, porque contamina a necessária punição dos que participaram do 8 de janeiro de 2023. Dos atos anteriores.
Tem que punir essa gente, mas tem que punir de forma legítima porque senão eles vão sair inclusive como bote expiatório contra esses procedimentos.
Já tem bagrinho e até gente esquerda falando eles estão punindo só os menores nessa história.
O Supremo já acionou os bagres [golpistas] médio. E tem os grandes que estão escondidos.
Essas críticas ao Supremo Tribunal Federal e suas condutas primeiro têm que ser estendidas pro Judiciário.
Mesmo assim, o Supremo é o melhor tribunal que nós temos hoje no Brasil.
Judiciário “contaminado” e o PowerPoint contra Serrano
Não fui só eu. Alguns juristas do Brasil expuseram tudo no auge da Lava Jato. Aquilo era um troço terrível. No mensalão, antes, eu critiquei abertamente e perdi cliente para burro.
A minha vida foi em parte destruída naquele momento. Entrei numa depressão. Tive problema pessoal por conta disso. E eu enfrentei.
Sergio Moro abriu inquérito contra mim por causa das minhas posições. Sabe aquele negócio que fizeram com o Lula do PowerPoint? Tinha um meu no inquérito. Apareço no meio como “colunista da Carta Capital”.
Como se as minhas colunas na Carta Capital e as minhas posturas públicas fossem um obstáculo à investigação judicial, como se eu quisesse obstaculizar a investigação e tentativa de obstrução é um crime.
Desculpa falar. Foi duro para nós que não tínhamos proteção nenhuma. Saímos pro pau sim e não quero ficar aqui me vangloriando. Fui o primeiro, e você pode perguntar ao Zé Dirceu, a levantar questões sobre o Mensalão.
Aqui não teve mudança de lado. De certa forma hoje é mais fácil ter um posicionamento como o meu. E sinceramente esse tipo de coisa nunca me intimidou. E agora é efetivamente um problema.
Nós temos um Judiciário contaminado.
A jovem democracia e o papel da esquerda
Eu tenho uma visão otimista. Acredito que isso é mais uma coisa da infantilidade da nossa democracia. Temos 30 anos de democracia e nós estamos experimentando ainda como é que é isso.
Tem um monte de erros sendo cometidos. Somos um país escravista. Temos 30 anos de democracia e 300 de escravismo. E um pós-escravismo que, até 1988, o pobre não votava.
Significa dizer que a maioria dos negros não votava. A democracia universal foi criada ali no pré-eleição no pré-construção da Constituição de 88.
Foi naquele âmbito da reconstrução democrática. Não havia democracia universal no Brasil.
Falavam que a Constituição de 1946 era democrática. E a maioria da população não votava. Não podia votar analfabeto naquela ocasião, enquanto a Constituição de 38 criou o primeiro direito à educação pública brasileira. Nela se determinava a eugenia como princípio. Isso está no inciso 2 do artigo 138 da Constituição de 34.
A eugenia era contra negro, indígena, deficiente físico e mental excluído da educação pública. E aí o alfabeto não podia votar. Pobre em geral é excluído da educação pública, salvo os europeus.
Aqui é um país de capitalismo periférico. O pobre serve aos países de primeiro mundo. Por isso, então, nós estamos no começo. Não podemos ficar desesperados com nossa democracia.
Nós estamos construindo algo que é para os nossos bisnetos. Não é para que a gente usufrua. O nosso papel é fazer a crítica com coragem e não se comprometer com erros.
A esquerda comete muito erro. Tem que criticar o nosso governo. É um governo de frente democrática. Não é papel do Lula ficar fazendo a crítica ou ficar indo para a esquerda.
Isso é papel nosso. A gente tá quieto. A gente fica esperando o Lula fazer, fica terceirizando para o presidente.
A esquerda precisa se organizar. Precisa ter um projeto de país, não só um projeto de governo. Precisa voltar a discutir ideia disso.
Você senta com o povo de centro-esquerda em geral. É só papo de cargo, de grana. Pô!
Nós precisamos voltar a ser uma usina de ideias como era o PT antes. Esse projeto precisa ser construído e nós precisamos lutar inclusive dentro do governo contra a direita.
Dentro do governo para tentar trazer isso mais à esquerda. É o nosso papel histórico. Temos uma democracia para construir, é um papel histórico hercúleo.
Temos que cumprir o nosso papel, o nosso papel de centro-esquerda. O nosso papel de construir os direitos sociais. O nosso papel é o de acusar o Supremo quando está destruindo esses direitos sociais.
E apoiá-lo na defesa da democracia.
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