Por que Evo vai ganhar as eleições na Bolívia com facilidade?

Atualizado em 4 de novembro de 2014 às 12:55

Publicado na bbc.

Favoritaço
Favoritaço

Antes das eleições presidenciais deste domingo na Bolívia, as pesquisas mostram que a única dúvida é se o presidente Evo Morales vai superar os 64% dos votos, cifra que alcançou em 2009, quando se reelegeu.

Tudo indica para a vitória da Evo, que não é particularmente carismática no seu sentido clássico e, especialmente em público, pode parecer pouco eloquente para um estrangeiro.

E, ainda assim, nenhum de seus concorrentes têm nenhuma possibilidade de lhe fazer sombra.
O presidente é um ex-camponês, sem formação acadêmica, com um passado de sindicalista e uma certa tendência a dizer coisas consideradas “inapropriadas” por muitos.

A oposição o acusa de ser populista, um caudilho com aspiração de ficar eternamente no poder. E, de novo, não há sequer uma pesquisa que não indique sua vitória acachapante.
Por maior que seja a lista de defeitos de Evo citados por seus adversários, não há dúvidas de que o presidente é o candidato favorito dos bolivianos. Mas qual o segredo de seu sucesso político?

Após oito anos e meio no comando, Evo está longe de ter sua imagem desgastada e agora caminha para ser o mandatário boliviano que ficou mais tempo no poder.

Um feito que está relacionado com o bom momento da economia local.

O país já está no seu décimo ano de crescimento contínuo, com redução da dívida externa, aumento das reservas internacionais e, sobretudo no governo de Evo, houve redução da pobreza extrema, que passou de 38% para 20%.

Os críticos afirmam que é uma modelo sem futuro a longo prazo, baseado em exportação de matéria prima, como o gás, e que está se beneficiando de um momento de alta nos preços internacionais.

Mas o governo insiste em dizer que isso só foi possível graças ao fato de Evo ter impulsionado uma série de “nacionalizações” do setor energético.

Algo que, na realidade, se tratou de uma renegociação de contratos de concessões de exploração a multinacionais estrangeiras, que ampliou a renda do Estado.

Esses novos recursos foram direcionados a setores desfavorecidos, como a infância e a terceira idade.

Foram expropriados somente setores estratégicos, como as telecomunicações, e não empresas de setores como o alimentício nem outros que pudessem deixar o país muito dependente das importações.

“O Estado, forte, controla os recursos naturais e tem uma grande capacidade de gerar excedentes que são utilizados para ampliar o Estado, o que aumenta o apoio ao governo”, disse o jornalista Fernando Molina à BBC Mundo.

Tudo isso foi aliado a políticas relativamente ortodoxas para controlar a inflação e medidas para amenizar as tensões políticas de algumas regiões.

“Qualquer empresário sabe que, se se reduz a aversão ao governo, é possível aproveitar melhor esse boom econômico”, afirmou o analista e jornalista Pablo Stefanoni.

Além da economia e das políticas sociais, outra questão que explica a alta popularidade de Evo está no fato de ele ser indígena, como a maioria da população boliviana.

Assim, por mais que indígenas, camponeses e operários não hesitem em sair às ruas para protestar quando acham que é o caso, na hora de votar seguem leais a quem consideram um deles.

“Ele é muito intuitivo. Não tem carisma no sentido tradicional, mas sim no sentido de se conectar com os bolivianos, porque é um boliviano como qualquer outro”, disse o jornalista Molina.

“Ele conhece muito bem a psicologia do povo boliviano e tem uma enorme capacidade de traduzir seus objetivos políticos em dicotomias simples, que são facilmente compreensíveis e críveis para o povo.”

Um exemplo disso é que, em discursos para explicar o conceito de inflação, usava o exemplo de como uma boa colheita de coca rendia mais dinheiro para comprar cerveja e isso levava o vendedor a subir o preço. Assim, colocava a macroeconomia ao alcance de seus pares.

Assim, como afirma Molina, tem sabido converter em virtudes o que muitos qualificam como limitações, como sua falta de educação formal e conhecimento de assuntos como economia.

No âmbito internacional, Evo faz a chamada “diplomacia do futebol”: não deixa passar a oportunidade de praticar seu esporte favorito em toda reunião da qual participa.

E, no panorama de esquerda latino-americano, muito se questiona se ele está mais alinhado com as políticas criadas pelo ex-presidente venezuelano Hugo Chávez ou com Lula.

“A retórica é chavista, mas os feitos são lulistas”, afirma Molina.

Não em vão, Evo considerava Chávez um de seus melhores amigos e compartilhava de sua retórica antiimperialista.

No entanto, a realidade da política boliviana é muito mais pragmática, orientada não somente à redistribuição da riqueza, mas sobretudo à estabilidade macroeconômica.

Para Stefanoni, apesar de existir “muita solidariedade política e ideológica com a Venezuela, a maior diferença está em como se administra a economia”.

“O chavismo tinha uma utopia radical que, no contexto boliviano, não se vê”, diz.