PUBLICADO NO BLOG DO KENNEDY
POR KENNEDY ALENCAR
Políticos e jornalistas dos EUA comparam a atual crise de saúde pública à Segunda Guerra Mundial. O país se prepara para um período de mudanças sociais e econômicas que afetarão o cotidiano das pessoas por um longo prazo.
A avaliação da área científica é que a crise do coronavírus não passará em três ou quatro meses, como o ministro da Saúde do Brasil, Luiz Henrique Mandetta, prevê erroneamente. É uma crise com potencial de duração de um ano e meio a até dois anos.
A vacina deverá estar disponível só daqui a um ano e meio. Os esforços atuais são para conter a primeira onda de contágio do vírus, evitando um número de casos que cause colapso do atendimento hospitalar. Esta fase será um aprendizado a fim de o país se preparar para uma provável segunda onda de transmissão até que seja desenvolvido um tratamento eficaz para os sintomas e uma eventual vacina. Será preciso descobrir medicamentos que combatam com mais eficiência os quadros médios e graves do covid-19.
Portanto, essa ameaça estará na vida dos americanos por um ano e meio ou dois anos. E estará também na vida dos brasileiros. Quanto mais tarde um governo acorda para a gravidade e a possível duração da crise, melhor para o vírus. Fica mais difícil controlar a sua expansão. Daí a importância do planejamento.
O presidente Donald Trump deu entrevista ontem anunciando medidas importantes, como o envio de navios-hospitais para as costas Leste e Oeste e socorro financeiro aos cidadãos mais vulneráveis, mas voltou a ser Trump, no sentido racista que a sua figura evoca. O presidente americano falou em “vírus chinês”.
Foi questionado por uma jornalista se esse tipo de qualificação não geraria preconceito em relação à comunidade asiática que vive nos EUA. Ele disse que não era racista, mas falava em “vírus chinês” porque ele veio da China.
Cientistas já disseram que o coronavírus não foi criado em laboratório, derrubando teorias conspiratórias de que soldados americanos teriam levado o agente para a China ou que a China teria criado a doença para alterar a ordem mundial a seu favor na disputa por uma hegemonia econômica e política. Ou seja, essas teoria são papo furado, mas Trump, questionado pela repórter, usou o patriotismo da pior maneira possível. É um chauvinista.
Pior é ver reproduções desse comportamento no Brasil. Um dos filhos do presidente República, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, embarcou na teoria trumpista a respeito do “vírus chinês”. Eduardo Bolsonaro foi duramente confrontado pela Embaixada da China, criando uma crise diplomática com o maior parceiro comercial do Brasil no meio de uma pandemia global.
Além de um presidente despreparado, o país tem um deputado federal filho de presidente despreparado. Jair e Eduardo Bolsonaro são desqualificados para os cargos que ocupam.
A entrevista de ontem do presidente Jair Bolsonaro e ministros foi um vexame completo. Presidente da República e ministros de Estado têm de liderar pelo exemplo, mas não souberam nem como usar as máscaras e deram mais uma má lição.
O despreparo para enfrentar o covid-19 é grande no Brasil. Mandetta é um ministro da Saúde superestimado. Ontem, estava dizendo que Bolsonaro sabia o que fazer e como liderar. Parecia piada, mas ele falava seriamente.
As medidas econômicas do ministro Paulo Guedes são tímidas e inadequadas. Guedes ainda está falando em reformas numa situação de enorme gravidade que demanda socorro financeiro imediato a pessoas e pequenas empresas.
É bom lembrar de uma lição dada por Ana Tavares, secretária de Imprensa muito eficiente do governo Fernando Henrique Cardoso. Ela dizia que, em qualquer governo, sempre aparece uma crise. A máquina é enorme. Os problemas, gigantescos. Em algum momento, surge uma crise que drena a energia política do governo e o enfraquece.
Por isso, dizia Ana Tavares, um presidente tem de aproveitar o primeiro ano de governo, no qual goza de um período de lua de mel, para aprovar a sua agenda legislativa no Congresso e implementar os seus principais programas. Tem de aproveitar a largada, mas Bolsonaro e Guedes a desprezaram. FHC fez isso ao aprovar sua agenda de reforma econômicas.
Sempre vem uma crise. FHC enfrentou crises externas e a da desvalorização do real. Com Lula, veio o Mensalão. Dilma Rousseff sofreu um impeachment. Michel Temer perdeu condições de aprovar a reforma da Previdência com o caso JBS. No meio do caminho de Bolsonaro, surgiu o coronavírus.
Desde o primeiro dia de mandato, Bolsonaro tenta emparedar o Congresso para levar as reformas de graça sem apresentar propostas. Paulo Guedes não mandou uma proposta de reforma tributária. A da Previdência foi estraçalhada pelo Congresso devido ao irrealismo do seu projeto.
Com o coronavírus, o governo Bolsonaro acabou, como disse o imigrante haitiano na cara do presidente da República, que se fez de desentendido. A falta de capacidade cognitiva de Bolsonaro é famosa, mas ele entendeu o que o haitiano disse.
Pelos próximos dois anos, o Brasil terá de se dedicar a enfrentar os efeitos do coronavírus na saúde pública e na economia. Falar em reformas agora é demonstrar falta de contato com a realidade. Guedes não entregou nada, só tem gogó e ainda não entendeu o que está acontecendo no planeta.
Na hora de enfrentar um desafio global, o Brasil tem Bolsonaro e Guedes, incompetentes e despreparados para suas funções. Os militares que apoiam Bolsonaro deveriam ler a entrevista de Ernesto Geisel à Fundação Getúlio Vargas, na qual ele classificou o atual presidente como um “mau militar”. Há uma semana, dez dias atrás, Bolsonaro estava falando em fraude na eleição de 2018. Não apresentou a prova até hoje porque mentiu e não a tem.
Na entrevista de ontem, disse que não convocou as manifestações de domingo passado. Mentiu de novo. Convocou, foi, contrariou recomendações médicas e tirou foto com faixas de agressão ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal.
Bolsonaro é um presidente da República que não merece crédito. É um presidente que não respeitou a função presidencial antes nem depois de eleito. Foi um deputado federal medíocre, com uma carreira de agressões as minorias, especialmente mulheres e gays. Tem limitações intelectuais visíveis. Não sabe falar, articular ideias. Esse é o padrão instalado no governo brasileiro numa crise que, nos EUA, é comparada à Segunda Guerra Mundial.
O Brasil está muito mal. Se Trump é ruim, Bolsonaro é ruim ao quadrado. O país vive situação complicada e precisa tirar lições do que está acontecendo nos EUA, país que também tem dimensão continental e grande população.
Nos Estados Unidos, há uma máquina pública que reage melhor do que no Brasil. Existe uma imprensa vigorosa que cobra o presidente da República de uma maneira que não acontece no Brasil. Jornalista não pode pedir desculpa para fazer pergunta ao presidente. Isso é mais um sinal da tragédia brasileira.
Bolsonaro é o pior político brasileiro. O país colocou na Presidência o seu pior quadro num momento de pandemia global _um dos maiores desafios da nossa História recente. É preciso que os brasileiros tenham a clara consciência de que o governo reúne o grupo mais despreparado que já administrou o país.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, fez muito bem em recusar ir ao uma reunião ontem com Bolsonaro para tirar foto. Demandou agenda concreta.
As atitudes de Bolsonaro no último domingo foram crimes contra a saúde pública e a harmonia entre os poderes. Se Congresso e STF não enquadrarem Bolsonaro dentro dos marcos constitucionais, o Brasil assistirá a uma tentativa de golpe perpetrada com suporte militar. É o que ele está querendo fazer. O coronavírus é uma oportunidade que cai como uma luva para líderes autoritários e xenófobos.
É preciso cuidado na defesa da nossa democracia, porque o atual presidente não a respeita. Não respeitou a democracia antes de ser eleito, não a respeitou depois de eleito. A sociedade precisa reagir, sob pena de o povo brasileiro sofrer ainda mais. Isso não é um governo. É um desgoverno.