“Ela só se acalmou porque comecei a filmar”, diz ao DCM brasileira chamada de “porca” por portuguesa

Atualizado em 7 de novembro de 2023 às 8:54
Portuguesa ataca brasileira no aeroporto do Porto

POR STEFANI COSTA, de Portugal

Uma brasileira foi vítima de xenofobia no aeroporto do Porto, em Portugal, na manhã de segunda-feira (6) enquanto regressava para Barcelona, Espanha, onde vive e trabalha há pouco mais de dois anos. A vítima, que preferiu não se identificar, gravou a violência e os xingamentos que partiram de uma mulher portuguesa.

A jovem de 35 anos possui passaporte italiano e já viveu em outros países da Europa, mas afirma nunca ter passado por uma situação como essa.

De acordo com a brasileira, o crime de xenofobia aconteceu enquanto a portuguesa descia com uma amiga as escadas rolantes do aeroporto. “Eu estava parada em frente a escada e a amiga dela puxou a maleta que caiu no meu pé. Na hora, tive uma reação normal de dor. A portuguesa me olhou, perguntou se havia doído e disse: ‘problema teu!’. Fiquei horrorizada com a situação e ela continuou dizendo que se eu estivesse incomodada era melhor voltar para o Brasil. A partir daí, começou a gritar, a me chamar de porca e a falar que eu não era bem-vinda no país dela”, relatou.

Ana (nome fictício), que trabalha em uma empresa de recursos humanos na Espanha, disse que ficou tão assustada que lhe faltou palavras para responder, pois a portuguesa afirmava em alto e bom som que ela não tinha o direito de estar ali.

“Quando os seguranças do aeroporto chegaram, muitas pessoas começaram a se aproximar e resolvi pegar o meu celular para gravar. E aí foi isso que você viu no vídeo. O segurança ficou do lado dela mesmo com a senhora vindo pra cima de mim. Foi uma coisa meio ‘sem nexo’, sabe? E nem foi ela quem passou a mala no meu pé. Não tinha necessidade disso”, revela a vítima em tom de desabafo.

Ana afirma que não conseguiu tomar as providências legais no local da agressão porque precisava pegar o avião de volta ao trabalho. Ela acredita que devido ao sotaque brasileiro a mulher portuguesa se irritou ainda mais. Ela conta que a sua amiga espanhola, que a acompanhava durante a viagem, ficou mais irritada e nervosa do que ela própria, acusando a agressora de xenofobia, mas nada adiantou.

“Ela só acalmou um pouco porque eu comecei a filmar. Eu gostaria muito de processar essa mulher por xenofobia, para que ela não faça isso com mais ninguém. Mas não tenho nenhuma informação e nenhum dado sobre ela. Gostaria que a propagação desse vídeo ajudasse a encontrá-la”, reforça.

Ana relatou ainda um pouco sobre  a sua experiência como brasileira vivendo na Catalunha, uma das regiões autônomas da Espanha. Ela diz que é comum sentir preconceito vindo das pessoas locais e que eles não gostam de turistas e de imigrantes de modo geral. Segundo ela, o preconceito por lá é mais “generalizado” do que em Portugal, onde o ódio parece ser mais “direcionado” à comunidade brasileira.

“Em Barcelona você anda na rua e vê escrito nas paredes ‘vão para casa, turistas!’ ou ‘vocês não são bem-vindos aqui!’. Eles realmente acreditam que estamos roubando os empregos deles, as casas… E essas histórias vão ficando cada dia mais severas, com mais agressões físicas e verbais. Eu nunca tinha presenciado nada assim tão de perto, tão fortemente”, conta.

“Na verdade, eu nem consigo reproduzir direito porque eu não posso acreditar que isso aconteceu. Lógico, eu estava ali, foi direcionado a mim, mas quando eu vejo o vídeo, desacredito que tenha saído tanta raiva e ódio daquela mulher portuguesa”.

Xenofobia contra brasileiros bate recorde em Portugal

​​Segudo dados da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, em 2021 as denúncias de discriminação feitas por brasileiros bateram recorde. O relatório revelou que das 408 queixas recebidas pela CICDR, 109 foram registradas por brasileiros, representando 26,7% do total. Em 2017, com a retomada do fluxo migratório de brasileiros a Portugal, foram registrados apenas 18 casos. Se compararmos os números com os de 2021, o crescimento é de 505%.

Para Ana, é urgente que os governos tomem medidas severas, como, por exemplo, a aplicação de multas. A imigrante brasileira afirma que essa seria uma alternativa de punir as pessoas que propagam ódio a fim de que paguem por isso de alguma maneira, pois a tendência é que a situação piore.

“Aqui na Espanha já se tem uma lei onde xenofobia tem que ser compensada financeiramente. Portugal precisa começar a fazer o mesmo, dando poder às autoridades para que essas possam aplicar multas”, explica.

Durante a primeira visita oficial do presidente Lula a Portugal, em abril, a ministra Anielle Franco e os ministros Silvio Almeida e Márcio Macêdo participaram de um encontro com diversos movimentos sociais e instituições ligadas às causas da comunidade imigrante em Portugal e na Europa. A principal reivindicação ao governo local foi a criação de um conselho de direitos de brasileiros emigrados.

Na altura, Anielle Franco assegurou o compromisso e a responsabilidade com o tema ao falar da proposta de cooperação apresentada ao Parlamento português. O acordo passaria pelo Observatório do Racismo e Xenofobia de Portugal com alguma universidade do Brasil para que estudos e pesquisas sejam compartilhados, além do tratado de cooperação com as boas práticas de combate ao racismo e à xenofobia.

Ana, que agora entra como mais uma estatística da violência contra brasileiros em Portugal, lembra ainda que, durante a agressão sofrida no aeroporto do Porto, o policial que acompanhou o caso também poderia ter autuado a agressora em flagrante.

“Acredito que dessa forma é possível diminuir muito os casos de preconceito e ajudar a propagar uma mensagem de denúncia, sabe? As pessoas precisam ter noção de que isso realmente acontece e que não é só uma história. Precisamos parar com o pensamento de que se aconteceu com aquela pessoa, não vai acontecer comigo. Hoje eu vi de perto o ódio e o preconceito de uma forma muito forte”, diz.