Eleição de Milei, um animal que fala com cachorro, destrói o mito de que “argentino é mais politizado”

Atualizado em 19 de novembro de 2023 às 22:16
Milei com seus cachorros

Com a eleição de Javier Milei, cai de vez o mito de que os argentinos são “mais politizados” — um clichê que volta e meia aparece nas mesas de bar e nas análises meia-boca na imprensa.

O próximo presidente da Argentina é um palhaço aventureiro “libertário” que defende a venda de crianças, promete fechar o Banco Central, dolarizar uma economia quebrada e que se aconselha, através de uma médium, com um cachorro que morreu em 2017, Conan.

De acordo com a mídia local, Milei pagou US$ 50 mil para fazer quatro clones de Conan: Murray, Milton, Robert e Lucas. Os mastins, diz ele, são seus “filhos de quatro patas.” A irmã dele, astróloga, tira o Tarô para o sujeito organizar a agenda. Etc etc.

Milei conseguiu 55,86% dos votos válidos, contra 44,13% do rival Sergio Massa com 91,81% das urnas apuradas.

Todo turista brasileiro que pega um táxi em Buenos Aires e se mete a bater papo com o motorista sai, eventualmente, embasbacado. Eles são mais “civilizados”, “europeus” etc.

Isso se deve, na verdade, ao fato de que o brasileiro monoglota só arrisca umas palavras em portunhol no táxi. E então 15 minutos de colóquio no trajeto entre Palermo e Santelmo viram o retrato do argentino médio ou algo que o valha. É uma nação de Ricardos Daríns.

Claro que há a contribuição milionária de intelectuais e jornalistas para essa empulhação.

Em 2019, o sociólogo argentino Ariel Goldstein, autor do primeiro livro no mundo sobre Jair Bolsonaro, cravou que um fascista como o nosso capitão jamais seria eleito por eles.

“Acho que não existe espaço para um Bolsonaro na Argentina porque o consenso da fundação da democracia argentina rejeita os militares. As organizações de direitos humanos têm muita força. Embora haja uma direita evangélica crescente na Argentina e economistas liberais ganhem fôlego, não é possível um ex-militar – nem mesmo um candidato com um partido tão pequeno como o de Bolsonaro – chegar à Presidência”, disse à Radio France International.

Milei consegue ser o impensável — pior que Bolsonaro.

Ariel Palacios, correspondente da GloboNews de sotaque indecifrável que jamais foi visto fora de sua biblioteca, também gosta de espalhar essa patacoada. 

Em 2013, ele lançou o livro “Os Argentinos”, em que destacou que o país era “altamente politizado”. Numa entrevista recente, insistiu nessa balela.

“Houve um período de altíssima politização, dos anos 40 até os 80. A ditadura atingiu muito isso, mas era um período de altíssima politização. Houve um desinteresse crescente pela política nos anos 90 e na crise de 2001, 2002”, falou.

“E esse interesse voltou a crescer – não é que havia sumido, foi menor o interesse, mas sempre maior que no Brasil. Mas a discussão política é muito forte. É politizado? Sim, é”.

É osso, mas quem tem que roê-lo são as pessoas que colocaram no poder essa cachorrada, não nós. Mais politizados, eles que lutem.