O veganismo vem crescendo em todo o mundo. Uma pesquisa publicada em 2018 pela Food Revolution Network aponta um crescimento de 600% do número de adeptos ao veganismo nos EUA no intervalo de apenas três anos. No Brasil, estima-se que haja cerca de 5 milhões de veganos e, de acordo com o Ibope, 30 milhões de vegetarianos.
Basicamente, o veganismo consiste em um estilo de vida que vá de encontro à exploração dos animais, o que significa não consumir qualquer produto de origem animal. Isto inclui, além da alimentação, produtos de higiene, roupas, calçados e por aí vai…
Atualmente, é muito difundida a ideia de que o veganismo é elitizado e pouco praticável no cotidiano de um cidadão comum. No entanto, existem vozes dentro do movimento que divergem deste estereótipo. Um exemplo é o perfil @veganoperiferico, criado pelos irmãos Leonardo e Eduardo Santos, moradores da periferia de Campinas (SP). A página foi criada em 2017 e hoje tem cerca de 127 mil seguidores.
Nesta entrevista, Leonardo Santos fala, entre outras coisas, sobre o que o levou a criar a página e as tensões entre as classes sociais no veganismo.
DCM – Como surgiu a ideia da criação do perfil?
Leonardo Santos – Eu e ele [Eduardo] estávamos conversando sobre veganos e estávamos lendo um livro de sociologia também. Estávamos passando por uma página onde tinha escrito “punk periférico”, e então fizemos a ligação: punk periférico, vegano periférico. E na hora decidimos criar o perfil. Sem muita ambição, sem muita pretensão, e aí virou o que virou hoje.
DCM – A aproximação de vocês com o veganismo se deu junto com a criação do perfil?
LS – Não, meu irmão se tornou vegetariano há quatro anos, se tornou vegano há dois. Eu me tornei vegano também há dois anos. Depois que me tornei vegano, ficou mais fácil para a gente dialogar, porque antes eu não tinha muito contato e tinha dificuldade de me alimentar. Não comia frutas, verduras. Então, evitava tocar no assunto com ele.
Depois que eu resolvi mudar, a gente começou a conversar mais sobre. Quando me tornei vegano, depois de dois anos que ele já estava no movimento, a gente criou a página.
DCM – Como você adquiriu seu embasamento ideológico a respeito do veganismo?
LS – Foi muito pela vivência. Eu já tinha um embasamento político forte, já tinha um trabalho de fotografia social, o que já me deu uma visão de mundo um pouco mais aberta. Como a gente começa a conviver com pessoas de classe média, em eventos, e tal, e depois volta para a periferia, passa a enxergar as diferenças e nisso começa forma uma opinião.
DCM – A ideia da página é mostrar que tem como ser vegano com pouco dinheiro. Quanto você gasta com alimentação?
LS – A ideia da página hoje, com a gente com um pouco mais de noção, é popularizar o veganismo. Se as pessoas da periferia conseguissem entender o veganismo de uma forma mais simples, ver que não é um bicho de sete cabeças, ficaria muito mais fácil ajudar os animais e diminuir essa devastação do meio ambiente.
Eu trabalho em um food truck vegano e meu irmão trabalha em um café vegano. Recebo em torno de 1400 reais e tenho que pagar várias coisas em casa, ajudar minha mãe. Meu irmão mora com a namorada dele, recebe em torno de 1200 [reais] e precisa manter a casa.
É bem tranquilo, porque a gente compra bastante vegetais. Os produtos não testados em animais que a gente consome, principalmente os de limpeza, são também bem baratos.
Por semana, sempre tiro um dia para fazer uma comprinha de frutas, legumes e verduras. Sempre que vou, não gasto mais de 70 reais. Preciso manter esse valor para não atrapalhar minhas finanças e sempre dá “de boa”, nunca tive problema.
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DCM – Então, para você, ser vegano acaba sendo mais barato do que ter um estilo de vida carnista?
LS – Sim, porque quando eu não era vegano, tinha essa mentalidade de que para almoçar tinha que ir ao açougue. Eu gastava muito mais, porque é absurdo o preço de quilo de carne. Você vai comprar carne para dois dias e gasta cerca de 30 reais, com este valor, eu compro um monte de coisas [veganas] e como por 5 ou 6 dias.
DCM – Você acha que o veganismo é um movimento elitizado?
LS – É muito importante que este assunto seja abordado. O veganismo está bem centrado nas classes privilegiadas. Estas classes têm muito mais informação. Quem tem dinheiro, consegue pensar. Quem não tem dinheiro, precisa pensar na sobrevivência. Então já começa aí.
Na periferia, as pessoas estão preocupadas em cuidar de vários filhos, pagar as contas, viver em uma escravidão assalariada e não conseguem pensar em nada a não ser nesta vida sofrida que levam. Já as classes privilegiadas têm toda uma estrutura para poder pensar, é bem diferente.
Não só o veganismo, mas também outros movimentos e causas sociais começam com quem tem mais informação.
Uma coisa interessante: a classe privilegiada, quando tem uma informação, na hora de passar para a periferia, acha que eles vão entender da mesma forma que os privilegiados aprenderam. Usam uma linguagem bastante rebuscada, totalmente formal, uma coisa que a periferia não entende mesmo. As pessoas aqui [na periferia] vivem uma vida totalmente diferente.
Então, acho que o ponto mais importante tem que ser a forma de passar a informação, de se comunicar. A pessoa tem que entender o que você está falando, você tem que falar a língua dela.
DCM – Então, você acha que esse caráter mais academicista é o que impede a popularização do veganismo na periferia?
LS – A gente tem uma mentalidade com o veganismo que é relacionada com produtos caros. As pessoas acham que, para você ser vegano, precisa comprar uma barrinha de cereal de 14 reais, um bife vegetal que custa 25 [reais]. Então, tem essa mentalidade, porque a mídia faz isso: tem uma visão elitizada do movimento e passa isso para a população.
A palavra “vegano” já assusta todo mundo, porque ninguém sabe realmente o que é, como funciona, qual é o objetivo… Então, acaba atrapalhando na hora das pessoas de classe mais baixa poderem pensar sobre. E, infelizmente, se a pessoa for de classe privilegiada e não tiver contato com a simplicidade, vai ser difícil para ela passar a informação.
Então, a gente tenta quebrar isso um pouco: falamos com as pessoas que militam pela causa para se comunicarem de forma menos violenta e complicada.
DCM – Quais são as maiores dificuldades para alguém da periferia dentro do veganismo?
LS – Uma questão muito forte é o meio social, o grupo em que você está inserido. Passei por diversas situações em que meus amigos e conhecidos acabaram agindo com uma certa rispidez contra mim simplesmente pelo fato de eu não comer carne. O meio acaba influenciando muito na hora das pessoas tomarem uma atitude e aqui na periferia esta questão de grupo, de amigos e comunidade é muito forte.
DCM – Durante as eleições, nos grupos de discussão sobre veganismo, a quantidade de pessoas declarando voto em Bolsonaro, ou então dizendo que aquele espaço não era feito para discutir política eleitoral, era alarmante. Para você, o veganismo é um movimento exclusivo da esquerda? Você concorda com essa ideia de desvincular o veganismo da política “tradicional”?
LS – Eu sempre digo que o veganismo é um ato político não-institucional, o veganismo não é de um partido, é uma micropolítica. Quando você se opõe ao consumo de carne, por exemplo, você está “colocando o pé” na engrenagem do sistema. A direita não gosta disso, quer conservar as coisas do jeito que sempre foram. Já a esquerda critica isso. Então, o veganismo cai um pouco para a esquerda. Não digo que é um movimento exclusivo da esquerda, mas, sim, é mais relacionado com a esquerda do que com a direita.
No caso do Bolsonaro, ele tem um pensamento muito prejudicial com relação ao meio ambiente e os animais. Ele é alguém que apoia vaquejada, que apoia rodeio. É um cara que quer destruir tudo em nome da economia, de forma totalmente insustentável. Quando um vegano vota nele, está apoiando tudo isso.
Eu acho que tem que falar sobre Bolsonaro e veganismo sim, os assuntos estão interligados.
https://www.instagram.com/p/BrdNa-Dh_VI/
DCM – A questão dos agrotóxicos é uma pauta dos veganos? Como você enxerga o trabalho do MST nesta questão? O movimento é importante para o veganismo?
LS – O trabalho do MST é muito importante porque é uma oposição gigantesca aos latifundiários, usurpadores de direitos, que estão acabando com as terras em nome do dinheiro. O MST está sempre firme, sempre mantendo sua raiz.
Essa questão do agrotóxico é muito problemática, porque, sem políticas públicas em torno disso, fica muito difícil popularizar e conscientizar as pessoas. O MST é um movimento que está sozinho contra tudo isso, se nós veganos ignorarmos e não olharmos para eles como aliados, acabamos favorecendo toda essa indústria.
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DCM – Que dicas você daria para alguém que quer virar vegano e não tem muito dinheiro?
LS – Eu diria para tomarem cuidado com influenciadores que estão mais preocupados em ganhar dinheiro e não mostram um caminho simples para o veganismo. Falaria também para elas tomarem consciência de que toda atitude tem uma consequência e se preocuparem se essas consequências serão boas ou ruins. Não precisa gastar muito dinheiro, comprar produtos caros.. O objetivo é a libertação animal da forma mais simples possível.