Ernesto Araújo, embaixador e diretor do Departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty, assumirá o Ministério das Relações Exteriores em 1.º de janeiro.
O chanceler de Jair Bolsonaro escreveu um artigo na Gazeta do Povo, do Paraná, uma trincheira do reacionarismo brazuca, chamado “Itamaraty: Mandato popular na política externa”.
É o samba do diplomata doido.
Sua principal missão, confiada por Bolsonaro, será “libertar o Itamaraty” da “ideologia do PT”.
Como? Enfiando outra em sua lugar!
Não sairá “pelo mundo pedindo desculpas” pelas atrocidades do chefe. “A vontade do povo deve penetrar em todas as políticas”, afirma.
Pautará sua atuação pelo combate ao “alarmismo climático”, a “pautas abortistas e anticristãs em foros multilaterais” e à “destruição da identidade dos povos por meio da imigração ilimitada”.
Tudo com um discurso direto, dirigido ao leitor.
Araújo está preocupado com coisas que, provavelmente, nunca viu:
Sabem quem é o povo brasileiro? Já viram? Já viram a moça que espera o ônibus às 4 horas da manhã para ir trabalhar, com medo de ser assaltada ou estuprada? A mulher que leva a filha doente numa cadeira de rodas precária, empurrando-a de hospital em hospital sem conseguir atendimento? O rapaz triste que vende panos no sinal debaixo do sol o dia inteiro para mal conseguir comer? A mulher que pede dinheiro para comprar remédio, mas na verdade é para comprar crack e esquecer-se um pouco da vida?
E dá-lhe lambada no “marxismo cultural”, uma teoria conspiratória centenária que Olavo de Carvalho chupou da extrema direita americana e virou o grande espantalho para malucos beleza.
Reproduzo aqui alguns trechos para você ler com sua tia fascista no Natal:
Você aprendeu na escola que o marxismo prega a propriedade coletiva dos meios de produção, e deduz que, se o PT não prega o fim da propriedade privada, então não é marxista. Essa era, talvez, a posição do marxismo em 1917 – você está 100 anos atrasado na sua concepção do marxismo.
Você se satisfaz com o que escutou de sua professora de História numa aula do ensino médio, nunca mais estudou nada sobre marxismo ou qualquer outra corrente ideológica, e agora vem pontificar e tentar me dizer o que é ou o que não é ideologia? Os marxistas culturais de hoje dizem que o “marxismo cultural” não existe e você acredita, simplesmente porque não tem os elementos de juízo e o conhecimento necessário.
O fato é que o marxismo, há muito tempo, deixou de buscar o controle dos meios de produção material e passou a buscar o controle dos meios de produção intelectual – fundamentalmente, os meios de produção do discurso público: mídia e academia. (…)
As coisas que eu critico, critico-as porque sei que são parte e continuação da ideologia que você diz repudiar. O alarmismo climático (sobre o qual falarei em outra oportunidade), o terceiro-mundismo automático e outros arranjos falsamente anti-hegemônicos, a adesão às pautas abortistas e anticristãs nos foros multilaterais, a destruição da identidade dos povos por meio da imigração ilimitada, a transferência brutal de poder econômico em favor de países não democráticos e marxistas, a suavização no tratamento dado à ditadura venezuelana, tudo isso são elementos da “ideologia do PT”, ou seja, do marxismo, que ainda estão muito presentes no Itamaraty. Mas, quando eu me posiciono contra todas essas pautas, você diz que eu sou ideológico e sustenta que eu não deveria fazer nada a respeito.
Se você repudia a “ideologia do PT”, mas não sabe o que ela é, desculpe, mas você não está capacitado para combatê-la e retirá-la do Itamaraty ou de onde quer que seja. Ao contrário, você está ajudando a perpetuá-la sob novas formas. Se a prioridade é extrair a ideologia de dentro do Itamaraty, não lhe parece conveniente ter um chanceler capaz de compreender a ideologia que existe dentro do Itamaraty?
Alguém que estuda essa coisa nos livros, há muitos anos, e não simplesmente ouviu alguma referência num segmento do Globo Repórter? Muitos pensadores marxistas brilhantes estão há 100 anos trabalhando incansavelmente e programando a penetração da cultura social e política, de maneira velada, mas por isso mesmo profunda, em favor de seu projeto de poder – e você acha que para combater isso basta dizer “não existe mais ideologia no Itamaraty”, ou basta pronunciar “pragmatismo” como uma palavra mágica que se instalará sozinha? Gramsci, Lukács, Kojève, Adorno, Marcuse estão rindo da sua cara. Ou melhor, não estão rindo, porque marxista não tem senso de humor, mas você sabe o que quero dizer.
Você é contra a ideologia? Então é preciso alguém que entenda de ideologia. Para curar uma doença, não basta dizer que a detestamos, é preciso conhecer suas causas e manifestações, suas estratégias e seus disfarces.
Sangue de Jesus tem poder.