Em áudio, deputado bolsonarista do RS reclama do parcelamento de uma propina

Atualizado em 22 de outubro de 2024 às 10:12
O deputado bolsonarista Luiz Carlos Busato (União-RS) que reclamou do parcelamento da propina. Reprodução

O deputado federal Luiz Carlos Busato (União-RS), que foi prefeito de Canoas, cidade da região metropolitana de Porto Alegre, está sendo mencionado em uma delação sob suspeita de ter recebido propina em contratos da área da saúde firmados durante sua administração (2017-2020).

Em áudios entregues pelo delator — um médico que dirigia uma organização social prestadora de serviços para a prefeitura na área de saúde — o ex-prefeito discute os valores, se queixa de atrasos e pressiona o interlocutor.

Em uma dessas gravações, o então prefeito cobra o médico após aumentar os repasses à organização social GAMP (Grupo de Apoio à Medicina Preventiva): “Bom, então se estamos aumentando R$ 4 milhões, R$ 5 milhões, acho que tem condições de o GAMP pegar uma parte e acertar conosco.”

Ele também insiste para que os pagamentos sejam feitos pontualmente: “(…) Isso é religioso. Não vai mais ter problema daqui pra frente, ok? Seja 700, 800, é o do mês. Depende do quanto entrar. 15 dias após fechar o mês. Combinado é combinado.”

Busato critica uma sugestão de parcelamento dos valores atrasados: “(…) Cássio se comprometeu a, de agora em diante, pagar o do mês, não vai deixar atrasar o do mês, senão esse troço vira uma bola de neve (…) e propôs pagar em 30 parcelas, em 30 meses. 30 meses não tem como, Cássio.”

Em outro momento, ele repreende devido a novos atrasos: “O que me interessa é o nosso acordo. (…) não podemos ficar indefinidamente na esperança de ‘ah, agora tem a Polícia Federal, tem, não sei o que que vai acontecer (…) Porra, se nós já fizemos um esforço de aumentar de 16,5 (milhões) para 21 (milhões)”, declara o prefeito.

Por fim, Busato reclama que não pode ficar sem receber durante um ano “a cada peido da Polícia Federal.”

Cássio Souto dos Santos, médico que estava à frente da administração do GAMP, foi preso preventivamente em 2018 durante uma operação que investigava desvios na saúde de Canoas. Em 2020, ele fechou um acordo de delação premiada e entregou os áudios às autoridades.

As gravações em que a voz de Busato aparece foram feitas por Cássio em reuniões com o ex-prefeito, enquanto o esquema funcionava.

Ao ser procurado pelo UOL, o ex-prefeito negou a autenticidade das gravações e afirmou que não cometeu irregularidades.

“Desconheço o assunto mencionado e nunca fui notificado sobre o tema em questão. Além disso, reitero que os áudios que estão circulando não são verdadeiros.”

O deputado Busato ao lado de Jair Bolsonaro e atacando o PL da regulação das redes. Fotomontagem

Um prejuízo de R$ 22 milhões foi apontado. Durante o mandato de Busato (2017-2020), o MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) identificou indícios de superfaturamento nos contratos da saúde entre a prefeitura e o GAMP, que recebia mais de R$ 10 milhões mensais para gerenciar serviços médicos e compras de medicamentos e equipamentos.

Em dezembro de 2018, três pessoas ligadas ao GAMP foram presas, entre elas, Souto dos Santos, suspeitas de peculato e lavagem de dinheiro. Segundo os promotores, o desfalque nos cofres públicos foi de R$ 22,8 milhões.

O caso foi assumido pelo MPF (Ministério Público Federal) devido ao uso de verbas federais na saúde. A delação de Cássio Santos Souto foi feita à PGR (Procuradoria-Geral da República), já que envolvia um político com foro privilegiado em Brasília. Uma das gravações mencionou o atual presidente do TCE-RS (Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul), Marcos Peixoto, e o conselheiro Alexandre Postal.

Segundo o delator, o prefeito pressionou o GAMP a contratar a empresa do filho de Peixoto, Gustavo Peixoto, a P&B Engenharia, para realizar uma reforma hospitalar. Um contrato de R$ 1,8 milhão foi firmado em agosto de 2017.

A delação do médico foi homologada pela ministra Nancy Andrighi, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 2022. Desde então, as investigações se concentraram no “núcleo político” que se beneficiava do esquema.

Foram instaurados 46 inquéritos, dos quais 17 já se tornaram ações penais. As investigações envolvem tanto políticos quanto empresários.

Segundo o delator, havia uma taxa de propina de 3,5% nos contratos do GAMP. O prefeito ficava com 50% desse valor, seu chefe de gabinete, Germano Dalla Valentina, com 30%, e o restante era dividido entre outros funcionários da prefeitura.

Germano, por meio de seu advogado, declarou que “sempre atuou com respeito à legalidade” e “nunca recebeu qualquer valor ilícito”, classificando a acusação como “totalmente descabida.”

“No período que esteve vinculado ao gabinete do prefeito em Canoas (RS), trabalhou de forma honesta, visando o melhor para o município.”

Os conselheiros do TCE-RS, Marcos Peixoto e Alexandre Postal, foram procurados, mas não responderam até a publicação da reportagem.

Souto dos Santos apresentou à PGR dois áudios gravados em 2018. Em um deles, Busato exige a retomada dos pagamentos ao núcleo político, afirmando que, em troca de aumentar o valor do contrato da prefeitura com o GAMP, seria necessário “pegar uma parte e acertar conosco.”

Em resposta, Cássio menciona as dívidas da organização. Busato retruca dizendo que a prioridade é o “acerto” entre eles.

“Tu tá falando em pagar dívida. Não foi isso que eu acertei com o Germano (Dalla Valentina).”

No segundo áudio, gravado durante a greve dos caminhoneiros de 2018, o prefeito sugere que a propina fosse transportada de avião, caso necessário.

Ouça abaixo: