Estreou este mês em São Paulo o documentário “Elena”, uma tentativa da diretora Petra Costa de compreender o suicídio de sua irmã.
O coração de Elena pesava 300 gramas. A sua irmã e diretora Petra Costa busca decifrar em que momento esse coração ficou tão pesado que ela já não poderia mais suportar. Ela não descobre isso durante o documentário “Elena”, que estreou nesse mês nas salas de São Paulo. Assim como a literatura, que não é uma solução e sim a procura contínua do enigma, Petra utiliza o cinema para buscar nas entrelinhas deixadas por sua irmã em Nova York uma exorcização da dor que carrega. E não seria, afinal, essa a função primordial da arte? Atingir o indizível que nos conecta ao universo e nos faz mais humanos?
Através de uma narrativa clássica e linear, Petra nos conta a trajetória de sua irmã e, assim, a sua e de sua família. No entanto, não é de uma maneira clássica que ela nos mostra. Através de vídeos caseiros, o espectador é imerso no universo da personagem Elena, que sonhava em ser atriz e praticar a arte. Ao mesmo tempo, Petra vagueia com a câmera na mão em Nova York à procura dos detalhes que traduzem o que foi a cidade para sua irmã e, quem sabe assim, a encontrasse lá.
Petra vive um sonho e o espectador é transportado para uma Nova York onírica. Desfoques e luzes ofuscando paisagens geram angustia às vezes de tanto que foram levados à licença poética. Detalhes são mostrados, pois detalhes constituem uma história e a vida de uma pessoa: nuances de cores em tecidos, folhas em árvores e locais por onde Elena vagueou.
Em dado momento, quando partiria para o sonho de ser uma estrela do cinema americano, Elena diz à sua irmã que agora que tinha sete anos ela vivenciava a pior idade. Algo que marca o começo do fim. Penso em Alice aventurando-se pelo mundo fantasioso do espelho. Questionada sobre quantos anos tinha responde: “Tenho sete anos e meio.” Ao que ouve a resposta que deveria ter parado de crescer já. Assim como Alice e Petra, muitos gostariam de permanecer com a eterna poesia do mundo infantil, que não é nunca “pesado” como a realidade do adulto.
Em meio ao sonho de Petra, há suspiros de realidade onde outras pessoas dão pistas de quem seria sua irmã. O mais visceral, como não poderia deixar de ser, é o depoimento da mãe, que sempre que fala é um momento confessional. A câmera está em primeiro plano (ou mesmo primeiríssimo) para decifrar, ou pelo menos tentar, não somente a história de Elena, mas a dor e a marca que o suicídio de um filho podem deixar em uma mãe.
Peso, altura e suicídio: a morte de Elena é anunciada através da decupagem do laudo divulgado pelo hospital onde foi levada após tomar um pote inteiro de aspirinas junto com vodka. Seriam palavras de falecimento ou uma imagem com valor simbólico para Petra? Valor simbólico também presente na imagem de Petra e sua mãe flutuando na água ao final do filme: Elena está lá, não conseguem pegar, mas está lá e conformam-se que não podem viver sem essa memória inconsolável.
Em tempos cinematográficos de “mais do mesmo”, é inebriante ver algo como Elena: um “tom” correto e bonito no conjunto traduzindo em forma o que a diretora mineira quer dizer. Assim, por mais pessoal (mas, e quem disse que toda arte não é movida por um desejo pessoal?) que seja, o documentário vira um “organismo vivo” que instaura-se na alma dos espectadores gerando algo. Dor, angústia, felicidade? Não dá para saber o que se passa em cada infinito particular. No entanto, a obra de Petra, perdurou-se para criar mais interpretações ativas e, quem sabe, novas obras de arte.