Homens armados hostilizaram trabalhadores rurais de uma fazenda nos entornos de Goiás, na madrugada de domingo (25/6), na entrada do assentamento, na Fazenda Cangalha. Em clima de faroeste, imagens registram o momento que jagunços da propriedade ameaçaram os assentados do Movimento Sem Terra (MST).
Os assentados estão no local há 8 anos. Após negociação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) com um antigo dono da fazenda, para quitar parte da dívida, os trabalhadores passaram a usufruir das terras, com autorização da autarquia. Após a morte do proprietário, seus herdeiros entraram em conflitos fundiários.
Havia a previsão de servidores do Incra irem até o local checar o diagnóstico da área e dar continuidade ao processo parado desde 2019, de aquisição de terras. “A área em questão foi destinada à reforma agrária, porém, a partir de 2019, houve a paralisação de todos os processos de aquisição de terras e de criação de assentamentos. No momento, o Incra trabalha para retomar esses processos”, disse o instituto, em nota.
O Metrópoles acessou um relatório do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários, do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, a processos do inventário da família, com herança de R$ 207 milhões, mas R$ 132 milhões em dívidas e a ofício da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, que identificam o conflito.
Os relatos dos trabalhadores rurais são de horror e medo. José dos Santos (43), que estava com o filho Ítalo, de 2 anos no colo, desabafou: “É uma dor, um sofrimento muito grande. Eu achei que ele ia atirar na gente”. José relatou ainda não conseguir dormir por dias, e o assentamento, que reúne 280 famílias, se organizou em vigílias, com turnos das 19h à 0h e da 0h às 7h.
Servidores do Ministério Público Federal (MPF), da Promotoria Pública de Formosa, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Polícia Federal (PF) se reuniram após a denúncia das ameaças para assegurar que o Incra execute o trabalho com segurança. Segundo o Ministério Público de Goiás, houveram outras violações aos direitos humanos denunciadas.
Andrea Beatriz Rodrigues de Barcelos, promotora da 6ª Promotoria de Justiça de Formosa foi até o local acompanhada de representantes de outros órgãos. “Na oportunidade, ouvida a comunidade, foram relatadas diversas violações a direitos fundamentais das famílias acampadas, como a falta de acesso à água potável, restrições de locomoção, com fechamento de estradas, ameaças, presença de drones violando a privacidade das famílias etc.”, cita o documento.
Outra das moradoras do assentamento, de 28 anos, afirmou ter vivido noites de terror: “Todas as noites, parava um carro perto da casa, desciam os homens e faziam agitação na corrente como se quisessem abrir a porteira”, contou, sem identificar-se por medo. De acordo com ela, os jagunços faziam as rondas em horários específicos. “Era por volta das 20h, das 3h e das 5h”, revelou.
Em 31 de agosto de 2014, para pressionar por reforma agrária, 3 mil famílias de trabalhadores rurais do Movimento Sem Terra (MST) ocuparam o complexo de fazendas entre os municípios de Corumbá de Goiás e Alexânia, denominado Fazenda Santa Mônica, de propriedade do então senador Eunício Oliveira. Após falecimento de Eunício, seus herdeiros disputam as terras com os trabalhadores. Em um dos processos, os familiares alegam a previsão do pagamento de 90% em títulos da dívida agrária. No entanto, o Incra informou que a superintendência do DF está em fase de elaboração de um diagnóstico das famílias acampadas no imóvel e acrescentou que, os processos de incorporação de áreas para reforma agrária seguem o rito legal composto de etapas importantes.