Em evento no RJ, Barroso é vaiado ao falar favoravelmente sobre descriminalização do aborto

Atualizado em 4 de agosto de 2018 às 12:06
Ministro Luís Roberto Barroso durante o evento (Foto: Reprodução)

Do ConJur

No mesmo dia da abertura da audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal para discutir a criminalização do aborto, o ministro Luís Roberto Barroso foi vaiado e aplaudido ao explicar sua posição sobre o assunto em evento no Rio de Janeiro nesta sexta-feira (3/8).

Uma mulher da plateia perguntou a Barroso se o STF poderia legalizar o aborto mesmo com 80% da população sendo contra a medida (segundo o Datafolha, 57% dos brasileiros não apoiam a descriminalização).

Em sua resposta, o ministro disse que aqueles que são contra o aborto devem ter o direito de não fazê-lo e de pregar contra a prática. “Mas há pessoas que pensam de forma diferente. Quando um dos lados criminaliza o outro, é intolerância. O papel do Estado é que cada um possa exercer sua convicção”, apontou.

Destacando que “ninguém quer fazer aborto”, Barroso argumentou que a criminalização não impede a medida, apenas diminui a segurança dos procedimentos, especialmente para mulheres pobres.

Segundo o ministro, a liberdade de uma mulher decidir se quer continuar uma gestação é um direito fundamental. Portanto, não precisa ser aprovado pela maioria da população.

“Entendo quem diz que a vida começa na concepção. Mas mesmo que aí já houvesse vida, se esta depende da mulher, a escolha deve ser dela. O Estado não tem o direito de obrigar uma mulher a permanecer grávida. Se homens ficassem grávidos, o aborto já seria legal faz tempo. Criminalizar uma convicção diferente não é razoável. Criminalizar é forma autoritária e intolerante de lidar com o problema”, opinou.

Segundo round
Porém, a mesma mulher pediu para fazer mais duas perguntas ao ministro sobre o tema. Na primeira, ela questionou a razão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442, na qual o Supremo se posicionará sobre a legalidade da interrupção da gravidez. Conforme a espectadora, o STF já decidiu que a Constituição de 1988 recepcionou o Código Penal, portanto, o crime de aborto.

Ao responder, o ministro ressaltou que a Carta Magna não trata de aborto e que a discussão na ADPF 442 é justamente pra ver se os artigos 124 a 128 do Código Penal foram recepcionados pela Constituição.

A segunda pergunta da mulher foi se o Supremo poderia permitir a interrupção da gestação mesmo com o Congresso Nacional tendo, por várias vezes, negado projetos de lei para legalizar a prática.

Barroso então inverteu a questão: “Você acha que uma mulher que interrompe uma gestação deve ser presa e se filiar a uma facção?”.

Enquanto o magistrado explicava que o cerne da controvérsia é se a liberdade de abortar é um direito fundamental ou não, um homem da plateia gritou: “Direito fundamental é a vida!”.

Sem se abalar, o ministro continuou a expor seu raciocínio. Contudo, o sujeito insistiu em seu grito. Quando Barroso disse que era preciso avaliar se já havia vida após a concepção, outro homem retrucou: “Mas é claro que há vida!”.

Professoral, o magistrado do STF explicou que não há hierarquia entre direitos fundamentais: “O direito à vida deve ser ponderado com a liberdade da mulher”. “Mas cadê o direito da criança?”, questionou um espectador.

Nisso, parte da plateia irrompeu em gritos de “abortista”. Cinco homens se levantaram de suas cadeiras e acompanhavam as ofensas ao ministro flexionando e estendendo os braços, como torcedores de futebol fazem em estádios ao entoar cânticos ritmados. Em resposta, outra parte do público passou a bradar “democracia”.

Mais barulhento, o grupo anti-Barroso então diversificou seus ataques, exclamando “ativismo judicial é crime” e “Barroso contra a vida”.

Impassível, o ministro afirmou que “não poderia concordar menos com vocês, mas defenderei o direito de se expressarem”. Em seguida, deixou o palco do Museu do Amanhã sob vaias e aplausos.