Por Paloma Varón
Os encontros e diálogos com o presidente francês Emmanuel Macron não só restabeleceram as relações França-Brasil, que estavam estremecidas, como tocaram em assuntos fundamentais, como a guerra na Ucrânia, o financiamento da luta contra as mudanças climáticas e o Acordo UE-Mercosul.
“Nós colocamos a nossa pauta em dia. Nós levantamos todos os problemas que nós tínhamos que levantar e o maior deles, que é este acordo”, disse Lula, na coletiva de imprensa deste sábado (24), relatando sobre o almoço que teve com Macron no dia anterior.
Apesar das restrições da França, Lula tem esperanças de que o acordo, que começou a ser negociado em 1999, seja validado até o final deste ano. “A França tem um papel importante e neste momento há um início de contrariedade da França em relação ao acordo. Eu conversei com o presidente Emmanuel Macron, ele nos disse que a gente pode discutir, que não tem tema proibido entre nós. Nós sabemos qual o tema dele e ele sabe qual é o nosso”, destacou o petista. “Da mesma forma que a França tem de resguardar os interesses agrícolas deles, nós temos que resguardar os interesses das nossas pequenas e médias empresas, com a não aceitação das compras governamentais. Nós ficamos de responder a carta adicional que a União Europeia mandou e eu penso que até o final do ano a gente terá uma decisão sobre o assunto”, afirmou Lula.
“Eu espero que tenhamos capacidade e sabedoria de fazer isso, porque é importante para a União Europeia, para o Mercosul e para o encontro da Celac que vai acontecer em julho”, disse o presidente, referindo-se à cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) com a União Europeia, nos dias 17 e 18 de julho, em Bruxelas.
Reforma tributária e luta contra a desigualdade
Sobre o cenário político brasileiro, Lula disse que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) – presente na coletiva de imprensa da manhã deste sábado – está muito otimista nas negociações para a aprovação da Reforma Tributária: “A primeira Reforma Tributária em tempos de democracia”, enfatizou, lembrando que a última foi em 1964, o ano do golpe militar.
O presidente brasileiro voltou a falar sobre as desigualdades, tema que permeou o seu discurso na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global: “Ontem, quando eu coloquei a questão da luta contra a desigualdade junto com a luta pelo clima é porque a desigualdade hoje é mais forte do que há 30 anos. E ela é múltipla, desigualdade de renda, social, na saúde, de gênero, racial, nas oportunidades… e o que nós precisamos é indignar a sociedade contra as desigualdades”, alertou.
Guerra na Ucrânia
Lula respondeu perguntas de jornalistas brasileiros e franceses sobre a guerra na Ucrânia. Ele evitou comentar o recente episódio envolvendo o grupo paramilitar Wagner e a Rússia, por não ter ainda os elementos para emitir uma opinião, mas falou dos esforços do Brasil para alcançar a paz na Ucrânia.
“Eu não fico chateado quando um europeu, no caso da guerra, pense diferente de mim. Eles estão no centro da guerra, eu estou a 14.000 quilômetros de distância. Então, é normal que eles estejam nervosos porque eles estão vivenciando a guerra e sofrendo as suas consequências mais imediatas. Estão preocupados com o que vai acontecer, porque vai chegar o inverno e a energia vai ficar um pouco mais cara, então eles têm que estar mais nervosos e preocupados do que eu”, afirmou.
“Meu pensamento é simples: eu sou contra a guerra; eu quero paz. Nós condenamos a invasão da Rússia ao espaço da Ucrânia. Isso já está declarado e votado na ONU”. Mas “isso não implica que eu vou ficar fomentando a guerra. Eu quero criar condições para que os dois países sentem para negociar. Por enquanto, eles não querem sentar porque cada um está achando que vai ganhar, mas em algum momento eles vão sentar e vão precisar de interlocutores responsáveis. E o Brasil está participando disso: agora mesmo o ministro Celso Amorim está em Copenhague, numa reunião com diversos países, para tentar estabelecer discussões sobre a paz”, finalizou.
Preocupação com o Haiti
Mais de uma vez, Lula falou da conversa que teve com Ariel Henry, primeiro-ministro do Haiti, “um país tomado pelas gangues, onde já não tem mais eleições há algum tempo e abandonados à própria sorte”. “É o tipo de reunião em que você fica constrangido, porque o mundo deveria ter uma preocupação com o Haiti, deveria assumir um pouco mais de responsabilidade”, disse o presidente, lembrando que o Brasil passou 13 anos no país, onde investiu US$ 40 milhões, tendo sido, segundo ele, o único país a investir na ilha.
“Eu conversei com o presidente Macron sobre a necessidade de colocar o Haiti no centro das discussões mundiais. Eu pretendo levar as discussões sobre o Haiti para o G20, para os Brics, porque o Haiti não pode continuar à própria sorte”, conclamou, acrescentando que o país “paga o preço de ter sido o primeiro a conquistar a independência”, “o primeiro país em que os negros se libertaram”.
Transição energética
No encontro com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o brasileiro Ilan Goldfajn, Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falaram sobre projetos relativos à transição energética. Eles buscam financiamento para o Brasil “para garantir a matriz energética mais limpa do planeta”.
Lula citou seu próprio discurso no evento Power our Planet, em frente à Torre Eiffel, no qual disse que 87% da matriz energética brasileira é limpa e renovável, contra 27% da média mundial, e que 50% da energia consumida no Brasil é renovável, contra 15% no mundo. E acrescentou que o Brasil “com certeza vai exportar hidrogênio verde para o resto do mundo”.
Já sobre a conversa com Dilma Rousseff, a presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como “banco dos Brics”, Lula não deu detalhes, mas fez questão de afirmar que a ex-presidenta do Brasil, que sofreu um impeachment em 2016, “está muito bem moralmente, pessoalmente e profissionalmente”.
Lula citou ainda encontros com empresários que têm interesse de investir no Brasil, principalmente na área de defesa, o que justificaria a presença do ministro José Múcio (Defesa) e de militares brasileiros. “Estamos discutindo a nossa parceria estratégica na questão do submarino nuclear”, concluiu.
Originalmente publicado em RFI
Participe de nosso grupo no WhatsApp, clicando neste link