Publicado na bbc.
Não há unanimidade entre empresários, políticos e movimentos sociais quanto à crítica do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, à qualidade do diálogo entre o governo Dilma Rousseff e a sociedade.
Em entrevista à BBC Brasil na segunda-feira, Carvalho afirmou que o governo Dilma “deixou de fazer da maneira tão intensa, como era feito no tempo do (ex-presidente) Lula, esse diálogo de chamar os atores antes de tomar decisões; de ouvir com cuidado e ouvir muitos diferentes, para produzir sínteses que contemplassem os interesses diversos”.
Já no caso de movimentos sociais, o ministro diz que houve diálogo, mas “faltou o atendimento das demandas”, como a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas.
A BBC Brasil questionou representantes de organizações rurais, empresariais e movimentos sociais sobre a qualidade de sua relação com o governo nos últimos anos. Os entrevistados apresentaram visões distintas sobre o tema.
Enquanto expoentes do empresariado e do agronegócio disseram ter travado com o governo diálogo próximo e até ter tido demandas atendidas, congressistas e movimentos sociais fizeram duras críticas à interlocução com o Planalto.
“Tivemos conversa muito fácil com o governo e conseguimos levar até eles nossos pleitos”, diz José Velloso, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
Segundo ele, assim como nos anos Lula, a relação entre a associação e o governo Dilma se dá principalmente por meio dos ministérios (no caso, Fazenda, Agricultura, Indústria e Comércio Exterior e Desenvolvimento Agrário), já que Dilma jamais recebeu o grupo em privado.
Velloso afirma, porém, que o governo “atendeu a todos os pedidos” da associação, entre os quais a desoneração da folha de pagamentos (redução das contribuições patronais à Previdência) e a criação de linhas de crédito para o setor.
Opinião semelhante é expressada pelo diretor superintendente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção), Fernando Valente Pimentel. Ele diz que o diálogo com o governo foi bom e que demandas do grupo foram atendidas.
Como Velloso, no entanto, ele afirma que outros fatores – como a valorização do câmbio e a alta na taxa de juros – prejudicaram o setor nos últimos quatro anos.
“O fato é que, no conjunto da obra, o setor continuou a perder produção.”
Já Gustavo Junqueira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), diz que o diálogo entre governo e o agronegócio foi desigual.
Ele se encontrou com a presidente uma vez, em janeiro, mas afirma que a SRB manteve relações próximas com o Ministério da Agricultura e, após a aprovação do Código Florestal, em 2012, também com o Ministério do Meio Ambiente.
Segundo Junqueira, o governo deu prioridade aos produtores de carnes e grãos – responsáveis por boa parte das exportações do setor – e tentou atender aos seus pedidos de melhorias na infraestrutura.
Em 2012, a presidente iniciou um amplo programa de concessões de estradas, portos e ferrovias para facilitar o escoamento da produção nacional.
Etanol e sem-terra
Já outras áreas do agronegócio, segundo Junqueira, receberam menos atenção da presidente, em especial o setor de etanol.
Empresários do segmento dizem que a estratégia do governo de segurar os preços da gasolina para controlar a inflação tornaram o etanol pouco competitivo no mercado de combustíveis, acarretando em grandes prejuízos para os produtores.
Em agosto, Dilma afirmou que o governo estudava medidas de incentivo ao setor e atribuiu a crise à competição com o etanol de milho produzido nos Estados Unidos.
Junqueira diz que Dilma e Lula têm estilos diferentes de negociar: “Ele é uma pessoa muito fácil do diálogo, da conversa. Já a Dilma é mais direta: se não concorda, fala de bate pronto que não vai fazer.”
Na outra ponta, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é mais crítico à qualidade do diálogo com o governo Dilma.
Alexandre Conceição, coordenador nacional do movimento, diz que o movimento conversou bastante com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e com a Secretaria-Geral da Presidência, “mas entre o diálogo e a ação prática houve uma distância brutal”.
“Já era para termos assentado umas mil familias em perímetros irrigados e não assentamos nenhuma.”
Ele diz que o movimento foi recebido pela presidente uma só vez, em 2013, em meio aos protestos de junho.
“Esperamos que, com a eleição ganha graças à militância social, ela possa nos receber pelo menos uma vez por ano, em sinal de reconhecimento.”
Conceição diz que, nos anos Lula, havia mais facilidade e “menos blindagem” para acessar o presidente.
Articulação de povos indígenas diz que interlocução piorou desde os anos Lula
Ele defende que a Secretaria de Comunicação da Presidência passe a privilegiar o contato “com a população, e não com os grandes meios de comunicação como é feito hoje”.
Para Sonia Guajajara, diretora da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), com Lula a relação entre índios e o governo foi “muito mais tranquila”.
O presidente participava das reuniões da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e apoiou demandas do movimento, como a reformulação do sistema de saúde indígena e a criação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
Segundo ela, nos anos Lula os índios também tinham melhor interlocução com os ministérios do Meio Ambiente e o de Desenvolvimento Social.
Já no governo Dilma, diz Guajajara, “não conseguimos construir nada diretamente com ela” e o contato com os ministérios também se fragilizou.
Os índios se reuniram com a presidente uma só vez, em meio aos protestos de junho. E no fim da gestão, passaram a recusar o contato com a Secretaria-Geral da Presidência – responsável pela ponte entre Planalto e movimentos sociais – após atritos em alguns episódios.
“Em Belo Monte, eles falavam uma coisa, mas não davam conta de cumprir. As lideranças foram perdendo a confiança.”
No Congresso, ouvem-se queixas semelhantes. Vice-líder da bancada do PMDB na Câmara, o deputado Marcelo Castro (PI) diz que “as negociações se arrastavam, e pessoas que falavam em nome do governo eram muitas vezes desautorizadas”.
Para ele, é preciso que as duas pastas que lidam diretamente com os congressistas (Casa Civil e Secretaria de Relações Institucionais) sejam chefiadas por “pessoas com estatura, que possam negociar em nome da presidenta e que tenham a confiança de que, fechando acordo, será cumprido”.
Castro, que está no Congresso há 16 anos, cobra ainda maior participação de Dilma nas negociações com o Legislativo.
“Como psiquiatra, posso dizer que, quanto mais distância há, há mais suspeita, desconfiança, dúvida. Quanto mais próximo, mais as diferenças diminuem.”
“O Lula tinha um excelente relacionamento com o Congresso, e esse patrimônio foi desgastado nos quatro anos da presidenta Dilma.”