PUBLICADO NO BRASIL DE FATO
POR LU SUDRÉ
Enquanto grande parte dos países da União Europeia proíbem a venda de substâncias altamente nocivas à saúde humana e, principalmente, ao meio ambiente, o Brasil se consolida como terreno fértil para o lucro de grandes empresas estrangeiras.
É o que evidencia estudo do Greenpeace Alemanha, divulgado nessa sexta-feira (5) em razão do Dia Mundial do Meio Ambiente. Segundo a organização, mais da metade dos agrotóxicos vendidos ao Brasil por multinacionais como Bayer e Basf são classificados como extremamente perigosos no continente europeu.
Ingredientes ativos como o Fipronil, Imidacloprid e Clorpirifós, destaques de vendas das empresas alemãs, são altamente tóxicos para as abelhas brasileiras, que diariamente estão sendo exterminadas por consequências do uso destes pesticidas.
Marina Lacôrte, porta-voz da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil, explica que as substâncias compostas pelo Fipronil e o Imidacloprid pertencem à classe dos neonicotinóides, um grupo de agrotóxicos altamente viciantes e que causam dependência nas abelhas de forma similar ao que a nicotina causa nos humanos.
Em 2018, por exemplo, somente o Fipronil foi indicado como principal responsável pela morte expressiva de abelhas no Rio Grande do Sul. A substância estar banida desde 2013 em todo o continente europeu.
Parte expressiva da produção de mel mundial já apresenta concentrações relevantes dos venenos, que comprometem diretamente o equilibro do ecossistema global. Isso porque, sem as abelhas, não há polinização. Com a morte massiva dos insetos, a escassez e falta de alimentos para os seres humanos e para os animais é uma consequência inevitável, já que mais de 70% das espécies vegetais do planeta são dependentes desse processo.
Por ter capacidade de locomoção muito alta, ou seja, espalharem-se facilmente pelo ar e por nascentes de água naturais, essas três substâncias podem trazer danos a muitos outros insetos, animais e plantações.
Padrão-duplo
Lacôrte ressalta que o estudo ecoa um alerta feito por entidades ambientalistas que se posicionam contra agrotóxicos há anos, principalmente quando o Pacote do Veneno voltou à tramitar no Congresso Nacional.
Para ela, é nítido que o lucro das multinacionais, que atuam com grande poder de influência no Legislativo por meio de grupos como a CropLife Brasil, ligado às empresas, é favorecido em detrimento da saúde pública e da biodiversidade.
Por que uma criança europeia não pode entrar em contato com o Clorpirifós, que tem impacto na redução do Q.I de crianças, mas uma criança brasileira pode?
“A maior parte das substâncias usadas aqui estão proibidas lá fora por questão de nocividade. [As empresas] Não têm lugar para vender lá, mas têm um estoque e ainda podem produzir pra vender aqui. Isso é muito lucrativo. O Brasil virou um depósito de lixo tóxico que não pode ser vendido lá, mas pode ser vendido aqui”, denuncia.
De acordo com Lacôrte, as organizações europeias que são contra a exportação dos venenos, a exemplo do Greenpeace Alemanha, têm usado o conceito do padrão-duplo.
“Por que uma criança europeia não pode entrar em contato com o Clorpirifós, que tem impacto na redução do Q.I de crianças, mas uma criança brasileira pode? Qual o risco que eles não podem correr lá, que aqui podemos correr?”, questiona a ativista ambienta. “Não existe uso completamente seguro de agrotóxicos. Não existe”, reitera.
Contexto político
O estudo do Greenpeace publicado neste Dia Mundial do Meio Ambiente tem como objetivo fortalecer o posicionamento crítico ao Acordo de Livre Comércio da União Europeia com países do Mercosul, fechado no segundo semestre do ano passado.
O modo como os dois blocos tratam a questão dos pesticidas é um ponto sensível no tratado. Ao passo que o Brasil segue liberando agrotóxicos em ritmo acelerado sob o governo Bolsonaro, a UE não abre mão da premissa de evitar o dano à saúde e ao meio ambiente.
Entre as premissas do acordo que beneficiam a Basf e a Bayer, entre outras produtoras, está a isenção para a importação de agrotóxicos, assim como a isenção para outros setores, como o automobilístico, que também tem um peso negativo muito grande quando se trata de impacto nas mudanças climáticas.
O ônus vai ficar aqui. Teremos, com certeza, o aumento do uso dessas substâncias.
Marina Lacôrte sublinha que o tratado ovacionado pelo governo brasileiro e pelas empresas, põe em risco a biodiversidade global e vai completamente na contramão do que tem sido defendido internacionalmente.
“O ônus vai ficar aqui. Teremos, com certeza, o aumento do uso dessas substâncias. Isso vai estimular algumas produções e atividades, como a produção de soja pra ração animal. E soja é uma das culturas em que mais se usa pesticidas”, lamenta.
O Tratado anunciado pelos dois blocos no ano passado aguarda pelos trâmites na Europa e América do Sul para entrar em vigor.
Entretanto, nesta quarta-feira (3), o parlamento holandês aprovou uma moção contra o acordo, justamente devido à questão ambiental. A decisão foi considerada um indicativo de que a ratificação do acordo encontrará percalços para de fato ser aprovada.
Ofensiva
O extermínio das abelhas brasileiras é apenas uma das consequências ambientais resultantes de graves políticas adotadas em menos de dois anos do governo Bolsonaro.
Entre algumas medidas que representam ameaças ao meio ambiente e são destacadas pelo Greenpeace Brasil, está o processo de aprovações de agrotóxicos que continua a todo vapor: Em apenas seis meses, o governo aprovou 150 novos produtos. No total, desde que Jair Bolsonaro (sem partido) chegou ao poder, 624 agrotóxicos foram liberados.
As grandiosas isenções fiscais ao setor, assim como a tentativa de liberação tácita de agrotóxicos por meio de portaria do Ministério da Agricultura em fevereiro, comandado por Tereza Cristina, são outras políticas citadas.
Há ainda o retrocesso em decisões que já estavam encaminhadas em benefício das empresas dos pesticidas, como por exemplo a proibição do Paraquate, agrotóxico extremamente tóxico e perigoso, que já está com data prevista para sair do mercado. Em março, a Anvisa tentou postergar a suspensão e manter a substância nas prateleiras de todo o Brasil por mais tempo.
A integrante da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil acrescenta ainda a flexibilização das regras de pulverização área de agrotóxicos em plantações de banana na região do Vale do Ribeira, que impacta diretamente a saúde de comunidades tradicionais e quilombolas que vivem na região.
Aprovada pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, a Instrução Normativa nº13 entrou em vigor há um mês, no dia 4 de maio, sem qualquer discussão ou consulta pública.
A medida revoga instruções anteriores e passou a permitir que a pulverização acontecesse a até 250 metros de distância de bairros e vilas tradicionais próximas dos bananais. A distância mínima anterior era de 500 metros e já representava risco de exposição aos seres humanos.
Futuro tóxico
Na opinião de Marina Lacôrte, as perspectivas são as piores possíveis a partir do que o atual governo tem colocado em prática. Ela define como “inescrupulosos” os posicionamentos de ministros enquanto o Brasil quebra recordes diários de vítimas fatais da covid-19.
É um governo que vai completamente na contramão dos interesses da sociedade.
“É a fatídica frase usada pelo Salles: ‘Passa boi, passa boiada’. Não é só no ministério do Meio Ambiente. Está acontecendo com questões sociais, trabalhistas e no Ministério da Agricultura também. Passa boi e passa boiada em tudo. Eles se aproveitam de um momento triste, delicado e complexo da humanidade e sociedade brasileira, para aprovar medidas nocivas que trarão consequências sérias”, critica.
A ativista ambiental diz ainda que os ataques acontecem de forma tão frequente que mal conseguem ser noticiados, em meio a tantas outras coisas.
“É um governo que vai completamente na contramão dos interesses da sociedade. Está indo na direção do interesse das indústrias, das grandes empresas, sob a argumentação da recuperação econômica, o que é uma calamidade. Estão usando uma situação gravíssima como oportunidade para passar essas medidas. Não tem outra palavra: é um escândalo. Não podemos deixar ‘essa boiada passar’”, defende.