Você vai sentir vontade de vomitar, mas é preciso ver um vídeo que está circulando pelas redes sociais, no qual o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, ensina seus incautos fiéis a tirar dinheiro do aluguel e dar para ele.
É uma espécie de manual cristão do achaque, mas serve para dar a dimensão exata do tipo de gente que está influenciando parte considerável da sociedade brasileira, além de impor uma agenda política retrógrada e perigosamente medieval ao Congresso Nacional.
Malafaia é uma figura lamentável, mas não teria esse despudor de ir à televisão ludibriar multidões de ignorantes sem contar com um ambiente favorável e algumas condições prévias.
A primeira, e mais importante delas: a leniência do governo com a programação da tevê aberta.
Em um Estado laico, a veiculação de programas religiosos por emissoras concessionárias é, por si só, um absurdo total.
As emissoras vendem malandramente esses horários como se fossem propaganda, e muito além do limite de 25% da programação, conforme prevê o confuso conjunto de normas do setor. A saber: Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei Geral de Telecomunicações e outras regulamentações.
Ou seja, são programas que não fazem parte sequer da grade oficial das emissoras, vendidos em um esquema de terceirização criminoso sem que uma única autoridade do Ministério das Comunicações tenha tido coragem, até hoje, de acabar sumariamente com essa pilantragem.
Recentemente, o jornalista Ricardo Boechat, da Rede Bandeirantes, lavou a alma nacional ao escrachar Malafaia, a quem mandou “procurar uma rola”, chamou de “tomador de grana” e acusou de homofóbico. Tudo isso ao vivo, nas ondas da Band News.
Ocorre que, desde o ano passado, o Ministério Público Federal luta, em São Paulo, para conter a sanha da Rede 21, do Grupo Band. Desde 2008, 100% do horário do canal era alugado para a Igreja Mundial do Poder de Deus, chefiada pelo pastor Valdomiro Santiago.
A partir de 2013, a Rede 21 passou a ter 22 horas de programação da Igreja Universal do Reino de Deus, do pastor Edir Macedo, dono de outra emissora concessionária, a Rede Record.
O MPF acusou Paulo Saad Jafet, vice-presidente da Band, e José Carlos Anguita, superintendente de Relações com Mercado da emissora, de violar a legislação e fomentar “enriquecimento sem causa” com o uso de uma concessão pública.
Em janeiro passado, o juiz federal Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara de São Paulo, negou o pedido de suspensão do MPF. Segundo ele, a liminar só poderia ser concedida se, antes, autoridades administrativas responsáveis por fiscalizar as infrações apontadas se pronunciassem. Em seguida, determinou ao Ministério das Comunicações que instaurasse procedimento administrativo para apurar as infrações ao Código Brasileiro de Comunicações.
Não por acaso, e dentro de uma tradição que inclui também a igreja católica, o fundamentalismo cristão é um aliado importante da direita liberal, no Ocidente. Forma com ela um padrão ideológico gelatinoso onde políticos profissionais se unem a fanáticos para, no ventre de embustes patrióticos, tentar emplacar projetos fascistas de poder.
Uma selfie feita, recentemente, durante a Marcha para Jesus, em São Paulo, é um emblema perfeito dessa miscelânea ideológica.
Na foto, amplamente divulgada nas redes, Malafaia aparece ao lado de dois potentados da extrema direita nacional: o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), apologista da tortura e do assassinato de opositores políticos; e o senador Magno Malta (PR-ES), que costuma comparar Lula e o PT ao diabo.
Essa percepção tornou-se palatável na campanha presidencial de 2010. Na época, José Serra, candidato do PSDB, transformou-se em um beato ecumênico e botou a mulher, Monica, para disseminar a informação de que Dilma Rousseff era a favor de “matar criancinhas”, de forma a ligar a candidata do PT à prática de abortos.
Detalhe: antes do fim da campanha, uma ex-aluna de Monica revelou que ela havia feito um aborto, fato jamais desmentido. Mais tarde, Serra e Monica, sempre tão ciosos dos valores da família, se separaram.
De lá para cá, os tucanos passaram a se aliar, sem pudor algum, a todo esgoto religioso disponível, sobretudo aqueles comandados por lideranças pentecostais ultraconservadoras, como Malafaia, Valdemiro e o pastor Everaldo, candidato do PSC à Presidência, nas eleições de 2014.
Foi dessa mistura de fanatismo, ignorância, leniência e pusilanimidade que nasceu a vitoriosa candidatura de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados.
Evangélico, Cunha é a exata simbiose desse triste momento nacional. Nele estão presentes todos os piores elementos dessa circunstância: fanatismo religioso, conservadorismo tacanho e fisiologismo político.
E algo me diz que as coisas ainda vão piorar antes de melhorar.