Enquanto Damares Alves dança embalada pelas palmas dos brasileiros, o governo de Jair Bolsonaro avança na direção do que, realmente, quer fazer: desmontar o que restou do que poderia ser chamado de “estado do bem estar social”.
Foram 17 medidas regressivas no primeiro dia de governo. Mas vem mais, muito mais, por aí.
Enquanto Damares nos distraía falando “na nova era, meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, Bolsonaro dizia uma frase que não recebeu a atenção devida.
Disse o chefe do Poder Executivo, através do SBT (Sistema Bolsonaro de Televisão):
“O Brasil é o país dos direitos em excesso, mas faltam empregos. Olha os Estados Unidos, eles quase não têm direitos. A ideia é aprofundar a reforma trabalhista”, disse o capitão.
A ideia de que o trabalhador brasileiro tem direitos em excesso é tão falsa quanto uma moeda de 15 cruzeiros em 1964.
Em 1995, no segundo mês de seu governo, Fernando Henrique Cardoso recebeu os diretores da Volkswagen em Brasília.
Eles vieram para anunciar que construiriam mais duas fábricas no Brasil — uma de caminhões em Resende, no Rio de Janeiro, e outra da Audi, no Paraná.
Na conversa, disse que o custo Brasil era um dos mais baixos do mundo. Na época, como agora, se dizia que os encargos trabalhistas desestimulavam investimentos empresariais.
Era mentira.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) tinha um estudo, a que eu tive acesso, que fixava em 60% da média mundial o custo da mão de obra das fábricas do setor no Brasil.
Sem fazer referência ao estudo da Anfavea, Fernando Henrique registrou no volume I dos livros da memória de seu governo o encontro com os diretores da Volkswagen.
Logo em seguida, além da montadora alemã, a GM, a Fiat e a Ford também anunciaram novos investimentos.
A razão para o interesse dessas empresas no Brasil era óbvia: o poder aquisitivo do brasileiro, com a valorização da moeda, havia aumentado.
Até os estagiários de economia sabem que, inclusive para ser explorado, um país tem que ter seus atrativos, e o maior deles é a capacidade de compra dos trabalhadores.
Direitos trabalhistas, como diz Bolsonaro, resultam em poder de compra maior por parte dos empregados.
Por exemplo, um dos direitos trabalhistas mais conhecidos é o 13o. salário — que o vice-presidente, Hamílton Mourão, afirma que gostaria de ver extinto.
Os maiores investimentos da história no Brasil ocorreram quando houve a expansão do mercado.
No governo Lula, foram criados 20 milhões de empregos com carteira assinada, sem que nenhum direito trabalhista tenha sido revogado.
No governo de Michel Temer, o desemprego chegou a mais de 13% da chamada população economicamente ativa, mesmo depois da aprovação de um pacote de medidas que retiraram direitos dos trabalhadores e a terceirização irrestrita foi autorizada.
Medidas como as que Bolsonaro pretende implementar produzem lucros maiores, mas nenhum novo emprego.
Até porque as empresas só contratam quando precisam de mão de obra para fazer frente a uma demanda aquecida.
E demanda aquecida só ocorre quando o poder de compra dos trabalhadores aumenta.
Esta é a regra de mercado.
Damares Alves ainda produzirá muita notícia e vai, na prática, causar estragos.
Mas ela é uma gota no oceano de maldades que está vindo por aí.
Um tsunami.
Por isso, tomemos cuidado com a magia.
O ilusionista dirige nosso olhar para outro ponto enquanto executa o truque sem que o público se dê conta.
Sejamos o Mister M, para acabar com essa farra.