Por Maurício Angelo
A petroquímica Braskem é a responsável por expulsar mais de 55 mil pessoas de suas casas e destruir bairros inteiros de Maceió. O caso, considerado o pior desastre em área urbana em curso no mundo, que começou em 2018, já foi alvo de diversas matérias deste Observatório da Mineração nos últimos anos.
Esta semana, porém, dois fatos se misturam e ajudam a ilustrar como o discurso sustentável pode ser apropriado por empresas que são causadoras de grandes crimes socioambientais.
Uma das crateras deixadas pela Braskem no subsolo de Maceió pela extração irresponsável de sal-gema durante décadas “corre risco iminente de colapso”, segundo a Defesa Civil. Foram cinco abalos sísmicos somente em novembro. Um hospital precisou ser evacuado.
“Se o teto dela [mina] vier a desabar, essa cavidade chega até a superfície, e se ela chegar dentro da lagoa, aí a gente tem consequências mais preocupantes, como um aumento de salinização dessa água e vai impactar toda a área de mangue de forma bastante trágica”, afirmou o coordenador geral da Defesa Civil de Maceió, Abelardo Nobre, ao G1.
Um “Gabinete de Crise” foi criado e o prefeito decretou situação de emergência por 180 dias em Maceió.
Enquanto a capital de Alagoas continua a afundar, a Braskem é uma das empresas presentes na Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP 28, que acaba de começar nos Emirados Árabes.
A petroquímica está no pavilhão brasileiro ao lado de Vale, Petrobras e Syngenta, campeãs do capitalismo verde, consciente e sustentável.
Em seu site, a Braskem se orgulha, por exemplo, em ter reduzido “em mais de 17% a intensidade de emissões de gases de efeitos estufa entre 2008 e 2020” e ter atingido “72% de cumprimento do Plano de Adaptação às mudanças climáticas”.
Investimentos em biomassa, compra de energia solar e eólica e precificação interna de carbono constam entre as iniciativas da Braskem, que se orgulha ainda por estar entre “as melhores empresas de capital aberto no mundo em relação ao gerenciamento do uso da água”.
O desastre de grandes proporções que continua a se agravar em Maceió e as ações de reparação absolutamente insatisfatórias são um mero detalhe para a máquina de propaganda global de greenwashing da empresa, maior petroquímica das Américas e estrela da bolsa brasileira, figurando entre as mais rentáveis aos investidores nos últimos anos.
Moradores de Bom Parto, em Maceió, que durante anos pediram a realocação, foram obrigados a sair de casas às pressas nesta quinta e deixar tudo para trás por causa do risco iminente de colapso da mina 18 da Braskem, no Mutange. A Justiça Federal autorizou que o Estado use a força policial caso as pessoas resistam a deixar o local.
“Eles falaram que a gente tinha de sair de qualquer jeito. E aí chegaram lá com dois ônibus, situação foi essa que generalizou lá uma confusão porque muitos não aceitaram, porque a gente já vive indignada há muitos anos, muitos meses e anos, e aí eles chegaram do nada, pra retirar todo mundo”, relatou a marisqueira Marivânia dos Santos Venâncio à Globo.
Geraldo Alckmin, presidente em exercício e notório entusiasta de mineradoras, que tem trabalhado para garantir a expansão de diversos projetos polêmicos – como a exploração de potássio em Autazes, no Amazonas – mandou uma comitiva do governo à Maceió para “ajudar no que for preciso”.
E mais uma COP, que tem falhado em garantir que o mundo caminhe para evitar o colapso climático, começa, ao contrário, sob a sombra de, na verdade, ser usada pelo país anfitrião – mais um – a fechar negócios de petróleo e gás.
O evento, inclusive, seria usado para tratar sobre a oferta de US$ 2,1 bilhões (R$ 10,3 bilhões) que a empresa árabe Abu Dhabi National Oil Company (Adnoc) fez para adquirir uma participação importante na Braskem, segundo a BBC. O governo brasileiro negou que a negociação esteja na pauta que será tratada e afirmou que não tem nada a ver com o processo.
A Braskem, porém, é celebrada pelo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, como uma “parceira inestimável e de confiança” no projeto “disruptivo” de processamento de óleos vegetais que possam produzir derivados de petróleo.
No mundo real, empresários tem lucrado bastante com combustíveis fósseis e, ao contrário do que o discurso diz, empurram o planeta para um cenário de clima extremo irreversível.
Do Acordo de Paris, em 2015, até o início de 2022, os 60 maiores bancos do mundo investiram nada menos que US$ 4,6 trilhões de dólares em projetos de petróleo, gás e carvão. Exatamente o oposto do que precisamos para evitar o colapso climático. As maiores empresas de petróleo do mundo bateram recorde de lucro em 2022.
Vai piorar: até 2030, países planejam o dobro da produção de combustíveis fósseis permitida pelo Acordo de Paris, 110% além do que seria necessário para limitar o aquecimento a 1,5°C.
Das metas de redução de 43% das emissões dos países até o fim da década – as NDC’s e planos climáticos nacionais – apenas 2% deve ser atingido, “pequena diferença” de 41%, acaba de alertar a ONU.
Ainda: pela primeira vez na história, as concentrações médias globais de CO2 ficaram 50% acima da era pré-industrial. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), alerta que “não há fim à vista” para essa tendência.
As contradições explícitas da teoria e da realidade da atuação da Braskem ajudam a explicar, literalmente, o buraco sem fim em que nos metemos.