Além do erro na correção de notas, outro problema desmoraliza o Enem de 2019, o primeiro da era Bolsonaro: desclassificação injusta de candidatos.
No dia 17, Rebecca se queixou pela primeira vez da desclassificação no Twitter:
“E eu que fui eliminada [do Enem] por engano”
Um dia depois (18), desabafou sobre o caso:
“Nem tudo na vida é como a gente quer e eu tô sendo obrigada a enfiar isso na minha cabeça desde ontem e, sério, é muito difícil. Injustiças e confusões acontecem e a gente tem que simplesmente se conformar e esperar.
Só de saber que o Sisu abre daqui a 3 dias e nem saber a minha nota, por uma certa incompetência do fiscal (pois casos como o meu têm de ser conferido umas 20 vezes), é desesperador e nesse momento eu tenho que me conformar que ainda não posso fazer nada, só esperar”.
Com a aproximação da data de abertura do Sisu (Sistema de Seleção Unificada, plataforma pela qual instituições públicas de ensino superior oferecem vagas e participantes do Enem usam suas notas para ingressar) e o desespero crescendo, ela decidiu pedir ajuda na rede social, na segunda-feira (20), às 18:48.
Após consultar um advogado e ter enviado, segundo ela, “mais de 100 e-mails” para o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), a jovem recorreu ao Twitter e contou todo o ocorrido:
“O celular de uma menina da minha sala no Enem 2019 tocou no segundo dia (10 de novembro), cujo nome é Rebeca, e então ocorreu um equívoco no resultado e a eliminação caiu sobre mim, e preciso que isso seja resolvido. O Sisu já abre amanhã e estou desesperada desde o dia 17″.
No mesmo post, criou a hashtag #inepdevolveanotadarebecca.
Pouco tempo depois, publicou um vídeo no Instagram, no qual pediu para que isso fosse resolvido “o quanto antes”.
As inscrições para o Sisu foram abertas e, horas depois, com mais de 100 mil interações no tuíte, apoio da imprensa e dezenas de milhares de posts com a hashtag, ela conseguiu:
Às 15:45, Rebecca contou que o próprio presidente do Inep ligou a ela.
Às 15:54, o próprio Twitter do Inep respondeu a jovem:
“Suas notas já foram atualizadas na Página do Participante do Enem 2019, Rebecca. Desejamos sucesso”.
Agora, ela agradece a todos que se mobilizaram nas redes sociais com outra hashtag: #obrigadaatodosquemeajudaram.
Mas nem todos tiveram essa sorte.
Visto que e-mails e telefonemas para o Inep não resolveram os problemas de ninguém, outros prejudicados foram às redes sociais seguir o exemplo de Rebecca.
Renata Lopez, por exemplo, teve o mesmo problema: diz que foi desclassificada injustamente.
Seus problemas começaram no mesmo dia que Rebecca. Ela conta que fez a prova normalmente e o aplicador conferiu o que era necessário, mas, ao tentar consultar sua nota, o sistema do Enem mostrava que a jovem foi eliminada.
Inicialmente, o motivo da eliminação foi não ter entregue as folhas de Rascunho e de Redação, dado de coleta biométrica e cartão-resposta. No entanto, mais tarde, o motivo da eliminação mudou para: “recusar-se a entregar ao aplicador o Cartão-Resposta, a Folha de Redação e a Folha de Rascunho após decorridas 5h30 de provas, do primeiro dia, e 5h de provas, do segundo”.
Ela afirma que assinou o termo necessário por ter sido uma das três últimas pessoas a saírem da sala e já tentou entrar em contato com o Inep desde que descobriu, mas sem sucesso:
“Eu ligo lá e dizem que não são eles quem analisam a situação. Abrem um protocolo e dizem que quem faz isso é outra equipe. Eu abri um protocolo no dia 17, que até agora não foi fechado”, conta.
“Pelo que entendi, falaram com o fiscal e ele disse que eu me recusei a entregar a folha de rascunho. O que é estranho, porque minha saída foi liberada”.
“Me ligaram hoje e fizeram uma análise e eu não entreguei um rascunho, o que já é uma mensagem diferente. De novo, o motivo da eliminação já é diferente”, disse.
E desabafa: “Me sinto bem frustrada em relação à incompetência do Inep”.
No Twitter, é possível encontrar outras reclamações de outros candidatos:
https://twitter.com/TaBrunassika/status/1219962014744961024?s=19
Questionado sobre apuração e recebimento de outras reclamações de candidatos como Rebecca, o Inep respondeu apenas que:
“As notas da participante [Rebecca] já foram disponibilizadas para consulta no Portal do Participante do Enem 2019 e ela foi informada sobre a atualização”.
O Inep e o Ministério da Educação ainda não se manifestaram sobre os erros nas desclassificações.
Advogados se dispuseram a representar gratuitamente candidatos que foram prejudicados, motivados pela incompetência do Inep e para evitar que casos como o de Rebecca, Renata, Lauro e tantos outros se repitam.
Igor Santos é professor universitário e foi organizador da iniciativa. Ele conta que, no momento, atuam mais de 30 advogados cadastrados no Brasil.
A ação foi organizada para auxiliar pessoas que não possuem condições econômicas para resolver judicialmente o problema.
“Quando se tem uma grande falha como essa, quem tem recursos tem como contratar advogados e ter conhecimentos do sistema jurídico, podendo resolver por si próprio o problema”, disse.
Ele media a relação entre o requerente e o advogado.
Menos de 24 hpras depois de anunciar a iniciativa, pelo menos dois candidatos prejudicados entraram em contato com ele.
Igor conta, ainda, outros erros reportados por candidatos do mais recente Enem: “problema de correção, gabaritos errados, cotistas marcados como ampla concorrência”.
Os candidatos que foram prejudicados podem escrever para: advogadosdoenem@gmail.com.
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Enquanto se desesperam, o ministro da Educação brinca nas redes. Hoje de manhã, ele postou no Twitter um comentário sobre política. “Hoje, escutei o Jornal da Manhã da JP. Não conseguem mais disfarçar, parece piada. Tratamento tapete vermelho para o governador Doria. Colchãozinho total para o PSDB. Só faltou “fale sobre as maravilhas de sua gestão…” e oferecerem creme de papaia com licor de cassis”, disse.
Ele quer agradar o seu chefe, Jair Bolsonaro, rival político de Doria no campo da direita. Parece ter convicção de que, bajulando Bolsonaro, sua incompetência será perdoada.
Pode ser perdoado por Bolsonaro, mas pelos alunos e pais que sofrem com os erros e outras falhas na educação sob sua responsabilidade certamente não.